
05 de agosto de 2013 | 02h05
Cada vez mais, o Festival de Cinema Judaico amplia seus limites e fronteiras e, ao tema visceral da Shoa, acrescenta questões relevantes de arte e política que têm tudo na ver com a atualidade do espectador não necessariamente judeu. A arte pode ser local, regional e um grande como Tolstoi dizia que só falando sobre sua aldeia um artista poderia falar para o mundo. Daniela Wasserstein, que dirige o Festival Judaico, sabe disso e fez uma seleção que vai surpreender pela diversidade (e qualidade).
O 17.º festival começa hoje em São Paulo, para convidados, com a projeção de A Sorte em Suas Mãos, de Daniel Burman. Prossegue amanhã para o público, até dia 11, e terá desdobramento no Rio. São 30 ficções e documentários de países como Alemanha, Argentina, Brasil, França, República Checa, Rússia e Suécia. Todo ano, o festival presta homenagens e/ou organiza retrospectivas. A atual, formada por nove títulos, chama-se Cine Biografia e documenta personalidades da cultura judaica, contemplando áreas como literatura, filosofia e música.
Tudo o que você queria saber sobre Bob Dylan, por Martin Scorsese; sobre Tony Curtis, por Ian Ayres; sobre o escritor Sholem Aleichem, por Joseph Dorman. A par das biografias, o festival traz muita ficção. Preenchendo o Vazio, de Rama Burshtein, foi o grande vencedor dos prêmios da Israeli Film Academy no ano passado. Ganhou sete, incluindo melhor filme e direção. Em Veneza, valeu a Taça Volpi, de interpretação feminina, para Hadas Yaron. Na Mostra, ganhou o prêmio especial do júri.
A protagonista é uma garota de uma família hassídica de Tel-Aviv. Ela está para se casar (com o amado), quando a irmã morre no parto. Para manter o bebê com os avós, a família lhe cobra que ela se case com o cunhado viúvo. Shira - é o nome da jovem - vai renunciar a seus sonhos? Outra garota, Hannelore, é a protagonista de Lore, de Cate Shortland, que também ganhou um monte de prêmios, incluindo o de melhor atriz (para Saskia Rosendahl) em Estocolmo, o do público em Locarno e o da crítica em Hamburgo. O cinema não costuma mostrar os efeitos da derrocada do nazismo sobre pessoas comuns.
Separada dos pais, que foram presos ou mortos (ele era do Exército de Adolf Hitler), uma garota e seus irmãos fazem a travessia de uma Alemanha já dominada pelos aliados. A dura luta da sobrevivência, as alianças improváveis (com um judeu fugitivo), a descoberta do horror dos campos de extermínio, tudo se abate sobre Lore, que assiste, impotente, à morte de um dos irmãos. A chegada à casa não é o fim dessa travessia. A avó é durona e prefere acreditar que os aliados estão mentindo. Há um desfecho forte, como a história reclama.
As atrações prosseguem com Simão e os Carvalhos, de Lisa Ohlin, sobre garoto sueco que se liga a um frágil colega judeu para fazer uma descoberta inesperada sobre a própria origem. A música desempenha um papel importante na trama e, a partir dos quadros de Marc Chagal e do musical O Violinista no Telhado - cuja origem é a história do leiteiro Tevye, criado por Sholem Aleichem -, você sabe que a precariedade do violinista é uma metáfora poderosa das vicissitudes do povo judeu em não importa que regime hostil. Como nem só de ficções se faz a programação, vem da Argentina outro destaque - o documentário Sem Ponto Final, de Shlomo Slutzky, que investiga as divisões de judeus na resistência à ditadura militar, nos anos 1970. Será uma semana apenas, mas haverá muito para ver.
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