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Festival de Rio Preto acerta ao correr riscos

Evento privilegia a diversidade com Hysteria e A la Carte, de São Paulo, e Os Camaradas, de Santa Catarina, com um grande poder de comunicação com a platéia

Por Agencia Estado
Atualização:

Em sua abertura, na quarta-feira, o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto - que termina no domingo - ofereceu ao público da cidade um espetáculo gratuito, ao ar livre, feito para encantar o olhar de espectadores de todas as idades - o australiano The Field. No alto de mastros flexíveis, atores e atrizes com figurinos coloridos flertavam entre si e com o público. Se a presença dessa poética silenciosa vem se tornando uma constante em festivais internacionais, e têm sua importância, felizmente o estilo da abertura não predominou na programação. A preocupação em organizar uma mostra que pudesse conquistar um leque amplo de espectadores, porém respeitando as diferenças de gostos e até mesmo de referências dessas diversas platéias sem apelar para espetáculos de grande público, parece ter sido a linha curatorial que orientou a programação do evento realizado pela prefeitura de Rio Preto em parceria com o Sesc São Paulo. Assim, nessa primeira semana de evento, foi possível apreciar espetáculos de linguagens bem diferentes. Hysteria e A la Carte, de São Paulo, e Os Camaradas, de Santa Catarina, são exemplo dessa diversidade: um trio de montagens de qualidade e de distintos estilos, que tem em comum um grande poder de comunicação com a platéia. Já na programação internacional, o solo She Was and She Is, Even, do coreógrafo e diretor belga Jan Fabre, que, apesar do título, foi apresentado no idioma francês, exigiu do público uma atenção mais concentrada, única forma de mergulhar num trabalho cuja essência está no detalhe, no pequeno gesto, na sutileza dos semitons. Quem se dispôs ao esforço saiu recompensado. No palco, apenas a atriz Els Deceukelier e algumas aranhas, que provocaram desmesurado frisson na noite de estréia. A personagem, vestida de noiva, define a si mesma como uma mulher cuja única função é fazer amor. Abusando de elementos como malícia e humor, Fabre desenha em cena o perfil dessa mulher sedutora, aparentemente feita para conquistar os homens, assim como a aranha que tece sua teia e devora o macho da espécie. Mas a personagem, na interpretação plena de nuances de Els, é uma mulher igualmente presa à teia da sedução. Alguém que experimenta a um só tempo ´a dor e a delícia de ser o que é´, como diz a canção. O público paulistano não verá, desta vez, o teatro de Jan Fabre que levará ao Sesc Consolação, sábado e domingo, somente seu espetáculo de dança, My Movements Are Alone like Streetdogs, também na programação do festival, com apresentação nesta terça-feira à noite. A presença internacional no evento é recente. Durante 20 anos Rio Preto abrigou um festival amador. No ano passado, o festival ganhou novo formato, que tem algumas singularidades. Entre elas, reservar um lugar privilegiado na programação para a mostra de espetáculos em processo, certamente uma opção de risco. Afinal, pode ser árduo para um público não diretamente envolvido na atividade teatral assistir a um espetáculo ainda embrionário - um ensaio. Foram quatro os processos apresentados nesta edição. No que diz respeito à comunicação com a platéia, os mais bem-sucedidos foram Woyzek Desmembrado, dirigido por Cibele Forjaz com Matheus Nachtergaele e o elenco do Grupo Piolim, e Os Sertões, de José Celso Martinez Corrêa. Sem cenários ou figurinos, Cibele optou por acomodar o público em duas arquibancadas instaladas no palco do Teatro Municipal e encenar as 22 cenas da peça numa ordem aleatória, definida diante dos olhos da platéia, em sorteio, cena a cena. A tensão positiva provocada pelo artifício, somada à atuação impecável de Matheus e de boa parte do elenco, resultou num dos belos momentos do festival. O mesmo pode-se dizer de Os Sertões, com Zé Celso ora mobilizando o público para uma celebração coletiva, ora silenciando a platéia com cenas de forte impacto. Numa delas, faz uma brilhante apropiação da cena em que Cafu levanta a taça do penta. A relação do homem com o cão é o ponto de partida do espetáculo Cãocoisa e a Coisa Homem, dirigido por Aderbal Freire-Filho com Luís Melo liderando o elenco do Ateliê de Criação Teatral (ACT). Ao contrário dos já citados, não há em Cãocoisa texto de apoio, que ainda está sendo criado pelo diretor a partir da pesquisa dos atores sobre o tema. Talvez tenha sido o mais árduo para o público, por sua estrutura fragmentada, mas ainda assim fez rir e surpreendeu na forma como traduziu cenicamente, por exemplo, a relação de dependência entre homem e cão: uma mulher traz atada à coleira o seu cão/caixa de remédio enquanto outra, vaidosa, um cão/belo-vestido-preto. A julgar por esta segunda edição internacional, o festival de Rio Preto tem tudo para consolidar-se como um importante evento do gênero na cena nacional.

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