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Festival de Curitiba entra na reta final

Por Agencia Estado
Atualização:

Pela Mostra Contemporânea do 11.º Festival de Teatro de Curitiba, que entra na reta final e encerra os trabalhos domingo, passaram no início da semana o maior dos escritores brasileiros, Machado de Assis, e nosso dramaturgo superlativo, Nelson Rodrigues. Ambos chegaram ao Paraná a bordo de produções vindas do Rio. Machado fez-se presente em Viver!, roteiro elaborado por Moacir Chaves e sua Péssima Companhia a partir de contos e crônicas do romancista carioca do século 19. Nelson foi levado ao palco pela Companhia dos Atores. Dirigida por Gilberto Gawronski, a trupe mostrou Meu Destino É Pecar, extraído do romance-folhetim que o autor publicou sob o pseudônimo Susana Flag. Justapostos na grade do FTC, Meu Destino estreou no domingo e Viver! na segunda. O que de mais fascinante houve nessa aproximação dos dois espetáculos foi o fato de haver permitido a manifestação de estilos antípodas no tratamento conferido a obras de gigantes da literatura. Gawronski e Chaves mergulharam fundo no universo dos dois escritores. Por terem apreendido algo da essência de Machado e Rodrigues, Chaves chegou a uma montagem refinada, sutil, elegante, e Gawronski desembocou numa encenação extrovertida, de ritmo intenso, teatralista às últimas conseqüências. Meu Destino É Pecar, que conta a história de Lena, garota obrigada a casar com Paulo, homem que não ama, para livrar o pai alcoólatra da prisão, é, como todos os folhetins, repleta de lances melodramáticos. Para dar conta do estilo exacerbado, Gawronski foi ao extremo. Fez com que seis excelentes atores interpretassem todos os papéis. Os artistas representam papéis masculinos e femininos, em saudável desrespeito às convenções. A montagem tem leveza, graça, sarcasmo e conquista o público. Viver! coloca a Péssima Companhia em um diálogo instigante com Machado de Assis. Fragmentos do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, o conto Viver, as crônicas O Autor de si Mesmo, O Evangelho do Diabo e outras, formam a base do roteiro. Em questão está o sentido das coisas. Numa montagem sofisticada, com cenário magnífico de Fernando Mello da Costa e figurinos elegantes assinados por Bia e Inês Salgado, Viver! busca a serena comunicação das idéias do escritor. Aproxima-se mais do recital do que do drama. Quem se deixa levar por esse formato, saboreia uma produção luminosa, que seduz pela inteligência, pela ironia. E também pela qualidade ímpar das atuações de Ana Barroso, Josie Antelo, Mônica Biel, Alberto Magalhães, Gillray Coutinho e Rafael Mannheimer, além dos músicos Andréa Spada e Leonardo Rugero. A cena em que o elenco, ao som de um texto machadiano, transforma um violoncelo em instrumento de percussão, está entre os momentos memoráveis do teatro brasileiro recente. O FTC, que está em seu oitavo dia, apresenta amanhã 63 espetáculos, entre a Mostra Contemporânea e o Fringe. Uma produção em cartaz em São Paulo, Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil dirigido por Ariela Goldman, chegou aqui com novo ator. Dan Filip Stulbach continua a interpretar com brilho o imigrante Clausewitz, mas Jairo Mattos, que fazia o ex-torturador Segismundo, foi substituído por Paschoal da Conceição. A montagem, que preserva todo o seu poder emotivo e reflexivo, tornou-se um must do FTC. O Fringe, a mostra paralela do FTC, sempre traz surpresas. Abarca por exemplo Hysteria, do jovem diretor Luiz Fernando Marques que recompôs a história de cinco mulheres internadas em hospício no século 19. Conseguiu fazê-lo com impressionante sensibilidade. Mas o Fringe abriu também espaço para Ardor. Peça sobre famoso crime passional curitibano, que teve como protagonistas um casal de homossexuais, poderia revelar o talento do diretor e autor César Almeida. Poderia, se o dramaturgo não tivesse se apoderado, ao que parece sem os devidos créditos, de uma longa cena da peça de R.W. Fassbinder, Gotas d´Água em Pedras Escaldantes, que foi levada ao cinema por François Ozon. A montagem criativa de Almeida poderia prescindir dessa apropriação indébita.

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