Festival de Brasília começa hoje com um olho no passado e outro no futuro

O mais antigo festival do Brasil dobra este ano o número de concorrentes ao prêmio principal

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Por LUIZ ZANIN ORICCHIO - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Como Janos, o deus bifronte que mira os dois lados, o Festival de Brasília 2012 põe um olho no passado, como referência, e outro no que julga ser o futuro. No passado porque, em sua 45ª edição, este que é o mais antigo festival de cinema do País, cultua um dos seus fundadores, o crítico Paulo Emilio Salles Gomes, cuja obra e legado serão debatidos em seminário. Pensando no futuro, ou no suposto futuro, Brasília abre mão de suas melhores características - a concisão e a concentração - para ceder à contemporânea tendência ao excesso. Ao invés dos seus tradicionais seis longas-metragens em competição, coloca o dobro de concorrentes. Doze longas, divididos meio a meio entre documentário e ficção. E mais 18 curtas, partilhados em três blocos de seis - ficção, documentário e animação. Cada qual com premiação específica. Para quem considera retrocesso esse passo rumo ao gigantismo, há pelo menos uma boa notícia para compensar. O critério de ineditismo dos longas, que havia sido abolido no ano passado, volta a vigorar. Isso quer dizer que os 12 longas em competição serão novidade para o público e para os jornalistas. Nenhuma dessas mudanças é definitiva. Serão adotadas em caráter experimental, é o que diz Sérgio Fidalgo, coordenador geral do festival. "Tudo isso nos traz certa insegurança", admite. "Vamos ver como o público reage, pois será uma maratona". De fato, é mudança radical na estrutura. O público de Brasília, bastante participativo, havia se habituado à dieta enxuta de um longa e dois curtas a cada noite. Agora, haverá o dobro. E o conforto do Cine Brasília será apenas uma grata recordação, uma vez que a sala está em reforma e o festival será todo no Teatro Nacional, lindo, de bela acústica, mas que não tem nas apertadíssimas poltronas sua melhor referência. As cadeiras do teatro nos fazem sentir saudades das dos aviões, na classe econômica, para você ter ideia. "Estaremos fora do nosso ninho, que é o Cine Brasília", lamenta Fidalgo. Outro ponto polêmico é a divisão entre documentário e ficção, isso num momento em que as fronteiras de gênero derretem no mundo todo. "Também não é definitivo", diz Fidalgo. Mas acrescenta: "É verdade que a produção de documentários vem crescendo muito no Brasil e pode ser interessante abrir espaço para eles". Quando se argumenta que documentários já venceram o Festival de Brasília (Santo Forte e Peões, ambos de Eduardo Coutinho), responde: "É, mas o porcentual deles ainda é muito inferior ao da ficção". Como nada é definitivo, nem a opção pelo ineditismo o é. Ano passado, abriram para os não inéditos e o festival foi muito esvaziado. Agora, graças à boa comissão de seleção, voltou-se ao ineditismo, embora o regulamento não o exija de forma cabal. É apenas medida de bom senso, de festival de ponta que se leva a sério. "Mas ainda preciso conversar mais com as pessoas, ouvi-las, e ver o caminho a seguir", admite Fidalgo. Nesse mar de incertezas, o jeito é curtir o que se tem, sem pensar muito adiante. O cardápio parece apetitoso. Hoje o festival se inicia com um concerto da Sinfônica de Brasília, e a apresentação, fora de concurso, de A Última Estação, de Márcio Curi, conhecido produtor da cidade. Amanhã, começa para valer, com as mostras competitivas. A primeira sessão, com o curta Câmara Escura (PE), de Marcelo Pedroso, e o longa Um Filme para Dirceu (PR), de Ana Johan. Em seguida, mais dois curtas, Linear, de Amir Admoni (SP) e Canção Para Minha Irmã, de Pedro Severien (PE), antecedendo o longa Eles Voltam, de Marcelo Lordello (PE). Será a primeira amostra de uma seleção que Fidalgo considera muito boa. "Vi os 30 filmes e fiquei entusiasmado", garante. É ver e conferir. A seleção contempla bom número de diretores ainda pouco conhecidos do público, o que é sempre estimulante. Mas há também os mais esperados, como a volta de Lúcia Murat à ficção com A Memória que me Contam, o novo filme de Vinicius Reis, Noites de Reis, e Marcelo Gomes com Era uma Vez Eu, Verônica, com a incrível Hermila Guedes no papel principal. Além deles, há Gabriel Mascaro, com Doméstica, Joel Pizzini com Olho Nu e Cao Guimarães, com Otto, entre outros. A esperança é que a qualidade da seleção apague o equívoco conceitual da segmentação de gêneros (ficção, documentário, animação) e a superlotação dos horários. Afinal, talvez o futuro esteja na referência intelectualmente estimulante a Paulo Emilio, e o passado, nesta retrógrada opção curatorial.Concorrentes:Longas-metragens de ficção

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A Memória que Me Contam, de Lucia MuratBoa Sorte, Meu Amor, de Daniel AragãoEles Voltam, de Marcelo LordelloEra Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo GomesEsse Amor que Nos Consome, de Allan RibeiroNoites de Reis, de Vinicius ReisLongas-metragens documentárioDoméstica, de Gabriel MascaroElena, de Petra CostaKátia, de Karla HolandaOlho Nu, de Joel PizziniOtto, de Cao GuimarãesUm Filme Para Dirceu, de Ana JohannCurtas-metragens de ficçãoA Mão que Afaga, de Gabriela Amaral AlmeidaCanção para Minha Irmã, de Pedro SeverienEu Nunca Deveria Ter Voltado, de Eduardo Morotó, Marcelo Martins Santiago e Renan BrandãoMenino Peixe, de Eva RandolphVereda, de Diego FlorentinoVestido de Laerte, de Claudia Priscilla e Pedro MarquesCurtas-metragens documentárioA Cidade, de Liliana SulzbachA Ditadura da Especulação, de Zé furtadoA Guerra dos Gibis, de Thiago Brandimarte Mendonça e Rafael TerpinsA Onda Traz, o Vento Leva, de Gabriel MascaroCâmara Escura, de Marcelo PedrosoEmpurrando o Dia, de Felipe Chimicatti, Pedro Carvalho e Rafael BottaroCurtas-metragens de animaçãoDestimação, de Ricardo de PodestáLinear, de Amir AdmoniMais Valia, de Marco Túlio Ramos VieiraO Gigante, de Luís da Matta AlmeidaPhantasma, de Alessandro CorrêaValquíria, de Luiz Henrique Marques

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