Ferréz experimenta novos temas em 'Deus Foi Almoçar'

Escritor conhecido por retratar o Capão Redondo lança livro no dia 3 de julho em São Paulo

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Por MARIA FERNANDA RODRIGUES - O Estado de S.Paulo
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Um Ferréz mais calmo, mas nem por isso mais otimista, está em Deus Foi Almoçar (Planeta), romance escrito durante oito anos de "incertezas" e que será lançado dia 3 de julho em São Paulo. Teria dado certo seguir vestindo a camisa de escritor da periferia, renovando as histórias de Capão Pecado, livro que o revelou, ou de Manual Prático do Ódio, que o consagrou. Ferréz continuaria sendo chamado para festas literárias daqui e do além-mar, ainda seria consultor de cineastas para assuntos de periferia, poderia ficar rico. Mas ele quis mais, e teve coragem de mudar a direção de sua carreira literária com um livro em que não se lê sequer a palavra favela. Em que a violência é muito mais interior do que do ambiente. Atrás da aparente calmaria de pastas e arquivos organizados milimetricamente vive o funcionário padrão Calixto, um homem nem pobre nem rico, invisível, abandonado pelo pai e pela mãe, depois pela mulher e filha, que se distrai caminhando pelo bairro enquanto conta postes, observando a vizinha no quintal, se maltratando e nunca se envolvendo com os outros. "Todo livro tem um cara que é o linha de frente, que vai e resolve. Desde Dostoievski, todo personagem é centroavante, mas na vida não é assim. A gente deixa muita coisa acontecer, passar, e eu queria fazer um personagem que fosse vitimado e passivo do jeito que somos, que aceita tudo e por isso as coisas nunca se resolvem", conta Ferréz, 36 anos, ao Estado em seu escritório particular: a padaria Funchalense, logo na entrada de Capão Redondo, bairro onde mora desde menino e que foi retratado em seus livros anteriores. O lugar onde a história se passa não é revelado, embora Ferréz dê algumas pistas. Quem precisar aproximar a trama da realidade, tirá-la do ambiente ficcional, até consegue. Mas isso não importa realmente. O tempo presente tampouco é sabido - há referências a seletores de tevê e a bancas de jornal com "aplicativos temporários de conteúdo". Foi de propósito. "Queria deixar a sensação de que é um tempo não tempo. Não sabemos se é futuro ou passado... Vivemos no que mesmo? Hoje vemos o mapa da Polônia no celular enquanto andamos ao lado de um cara que puxa uma carroça cheia de entulho." É sobre mudança e sobre tomar ou não as rédeas da vida, "atravessar o portal", como diz, que trata este livro criado pelo autor também num período de mudanças. No meio do processo, virou pai.

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