Ferreira Gullar comemora 70 anos

Com dupla exposição, a partir de sexta-feira, no MAM carioca, e com o lançamento de Toda Poesia (Editora José Olympio), uma edição comemorativa unindo toda sua obra

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Por Agencia Estado
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A poesia é necessária, setenciou Rubem Braga em sua crônica na revista Manchete, em uma edição de 1954. O escritor ficara impressionado com a qualidade dos versos de A Luta Corporal, livro editado naquele ano que reunia a poesia de um jovem maranhense chamado Ferreira Gullar. Braga até transcreveu o poema Gato Galo, que mais o encantara. Era o início de uma carreira marcada pela obstinação. No dia 10, Ferreira Gullar completa 70 anos e será homenageado com uma dupla exposição, a partir de sexta-feira, no MAM carioca e com o lançamento de Toda Poesia (Editora José Olympio), uma edição comemorativa unindo toda sua obra em 528 páginas. "Jamais imaginei provocar tamanha movimentação", confessa Gullar que, com a morte de João Cabral de Melo Neto, no ano passado, é apontado por muitos como o maior poeta vivo do País. Ele, porém, prefere dissimular, participando à distância dos eventos. "Não palpitei sobre nada, apenas fiz indicações sobre a paginação dos poemas no livro comemorativo." Gullar pretendeu reparar sucessivos erros que marcaram a reedição de sua obra nos últimos anos, especialmente no espaçamento entre os poemas. "Agora finalmente terei uma edição que me agrade." Gullar opinou também sobre a cor da capa, que traz uma reprodução colorida de uma obra do pintor italiano Giorgio Morandi (1890-1964), um de seus artistas preferidos. Acontece que Ferreira Gullar, além de poeta, é crítico de arte. Viveu ainda uma fase de intenso engajamento político, que abandonou depois do fim do regime militar. Seu nome ficou associado tanto ao movimento concretista, do qual se afastou com rapidez, quanto às esquerdas socialistas, nas quais militou durante a ditadura. Quando começou sua carreira literária, ainda no Maranhão assinava Ribamar Ferreira (seu nome verdadeiro é José Ribamar Ferreira). Havia, porém, um outro poeta, muito ruim, que tinha o mesmo nome, o que o levou a adotar o sobrenome de sua mãe, Goulart, devidamente deformado. Na análise de Gullar, seu arsenal literário não começou a se formar com o primeiro livro, "Um Pouco Acima do Chão" (1949), e sim a partir de "Uma Luta Corporal", lançado em 1954. Menos pelas fragilidades do volume de estréia e mais pelo impacto avassalador de Uma Luta Corporal. "O primeiro era um livro imaturo e é evidente o salto de qualidade para o seguinte", justifica o poeta, que não incluiu Um Pouco Acima do Chão na edição completa. "Não me preocupo com as considerações de estudiosos de literatura, mas com a qualidade", disse. "Custo a escrever e só publico o que realmente gosto." Impasse - Logo em seu início, porém, Gullar enfrentava um impasse lingüístico. Como observa o poeta e tradutor Ivo Barroso, Gullar, depois de passar por todos os processos formais - do soneto camoniano ao poema em prosa, do verso livre ao poema pré-concreto - verifica, de repente, que esgotou suas possibilidades de compor e que dali por diante só seria possível repetir-se, o que era definitivamente contrário à sua índole criativa. Pareceu-lhe que o concretismo seria o melhor caminho, mas, a partir do contato com o crítico Mário Pedrosa, que lhe incutiu observações diretas sobre arte, e depois, em rebeldia contra o próprio mestre, escreve o Manifesto Neoconcreto, a Teoria do Não-Objeto, grande súmula de sua reação ao movimento concreto, na tentativa de recuperar a linguagem perdida. A solução, passou a acreditar, era resgatar nas raízes populares o verso limpo, espontâneo. Volta-se assim ao cordel. A revolução militar de 1964, porém, põe fim ao comprometimento espontâneo com uma cultura popular. Em 1971, alertado por um amigo sobre o risco de permanecer no País (era membro do Partido Comunista Brasileiro), opta pelo exílio. Reside, inicialmente, em Moscou e depois em Santiago, Lima e Buenos Aires. A distância provoca-lhe uma dor forte, capaz de tornar turva a experiência do dia-a-dia. Apesar de colaborar com o Pasquim sob o pseudônimo de Frederico Marques, não consegue produzir com tranqüilidade. Em uma rotina quase desesperada, entre a máquina de escrever e a vista da janela para a Avenida Honorio Pueryredon, na capital argentina, Gullar passou seis meses do ano de 1975 escrevendo o que imaginava ser a última obra de sua vida. Poema Sujo foi o resultado desse mergulho interior e chegou ao Brasil por meio de uma gravação feita por Vinícius de Morais. A densidade da obra despertou uma onda de admiração até chegar ao editor Ênio Silveira, na época à frente da Civilização Brasileira, que o publicou. O lançamento, mesmo não contando com a presença de Gullar, reuniu diversos intelectuais brasileiros. Gullar atingia uma linguagem viva com Poema Sujo, considerado por Vinicius a mais importante obra poética brasileira já publicada. Sujo porque expressa um desabafo e expõe as vísceras em forma de poesia. Em 1977, Gullar volta ao Brasil, onde retoma, aos poucos, as atividades de jornalista, poeta e crítico. Nos trabalhos mais recentes, voltou sua preocupação para a morte, mas sem fazer dela motivo de angústia existencial. Apesar de reclamar que ganhou mais prêmios com o teatro que com a literatura, arrebata, com Muitas Vozes, a mais recente obra, o Prêmio da Biblioteca Nacional e o Jabuti. Ganhou ainda o Prêmio Multicultural Estadão. Aos 70 anos, Gullar não quer se envolver em projetos grandiosos. Assim, entrega-se aos últimos poemas do livro Um Gato que se Chamava Gatinho, dedicado ao felino que o acompanha há dez anos. "Gostaria que meu neto fizesse as ilustrações, mas ele só gosta de desenhar animais selvagens", contenta-se.

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