PUBLICIDADE

Ferrara monta "O Abajur Lilás" de Plínio Marcos

Por Agencia Estado
Atualização:

Poucos meses antes de sua morte, o ator e dramaturgo Plínio Marcos acompanhou, emocionado, a montagem de seu primeiro texto, Barrela, sob a direção de Sérgio Ferrara. Ao cumprimentá-lo, Plínio fez um pedido: "Depois dessa, você poderia dirigir O Abajur Lilás." O dramaturgo morreu em novembro de 1999, mas a promessa foi mantida e será cumprida durante a Mostra Oficial do 10.º Festival de Teatro de Curitiba, no próximo mês, quando Ferrara exibe pela primeira vez a sua visão de um texto que foi duas vezes vetado pela censura antes de finalmente chegar ao palco. "Ao lado de Barrela, O Abajur Lilás é uma peça mitológica, pois muitos comentam, mas poucos conhecem", afirma o diretor. Escrito em 1969, o texto mofou na gaveta da censura e só foi encenado 11 anos depois, com Walderez de Barros persistindo em interpretar o papel principal, o que lhe valeu o Prêmio Molière de melhor atriz de 1980. Ao retratar os mecanismos e jogos de opressão do submundo, a peça incomodou os censores. "O texto tinha um forte apelo político, por isso gerou tanta polêmica", comenta Ferrara. "Hoje, ao contrário do que alguns pensam, O Abajur não está datado, pois trata de graves problemas que ainda nos cercam, ou seja, se naquela época a política era identificada como o grande mal, agora é a exploração econômica, a globalização." Ao tratar de temas fortes e violentos, Plínio Marcos ficou conhecido como um autor maldito. Mesmo depois de morto, a alcunha o persegue, dificultando a manutenção de sua obra no teatro: apesar de reconhecido como um grande diretor, Sérgio Ferrara ainda negocia patrocinadores, que garantam a plena realização da peça. A única exceção, até o momento, é o secretário municipal de Cultura de Santos, Carlos Pinto, que ofereceu o Teatro Municipal da cidade para a estréia oficial, de 12 a 15 de abril. Em seguida, a montagem vem a São Paulo, onde poderá ocupar o palco reformado do Teatro João Caetano. "O mercado ainda exclui os grupos que insistem em pesquisar autores essenciais da nossa dramaturgia, como Plínio, Nélson Rodrigues ou Qorpo-Santo", lamenta o diretor. Em sua busca por apoio, Ferrara contou com a ajuda da atriz Esther Góes, que assumiu o projeto. "Trata-se de uma obra em que a capacidade humana é apresentada de uma forma muito forte", comenta ela, que interpreta Dilma, uma das três prostitutas dominadas por Giro (Francarlos Reis), cafetão homossexual que conta com o auxílio do leão-de-chácara Osvaldo (Elder Fraga) na exploração das mulheres - as outras são Célia (Magali Biff) e Leninha (Lavínia Pannunzio). "Plínio apresenta um submundo cruel, mas consegue também exibir o aspecto iluminado do ser humano." Força da palavra - As primeiras leituras impressionaram os atores, principalmente pela força oral da palavra. "Quando o texto é falado, adquire um poder que ainda não é percebido quando apenas se lê", observa Magali Biff. "Por isso que a peça se tornou maldita e muitos atores decidiram não participar da sua encenação: é preciso um despojamento muito grande para vestir, com convicção, esses papéis." A mesma sensação foi sentida pelos outros atores, que iniciaram um detalhado estudo da peça, buscando confrontá-la com a realidade. "Plínio pede a desmontagem do ator, exige um despreendimento, uma coragem e muita concentração porque não se consegue interpretar o conflito das prostitutas com o cafetão apenas com a intuição", comenta Francarlos Reis que, para trazer mais realismo ao personagem Giro, pretende raspar a cabeça. A fase de leitura permitiu ainda ao grupo avaliar a coerência técnica de Plínio Marcos, principalmente em relação à importância que os objetos assumem para detonar uma situação limite. Assim, o que provoca a explosão na relação dos presos em Barrela é um cigarro, enquanto um par de sapatos é motivo de uma briga mortal em Dois Perdidos numa Noite Suja, e um abajur quebra a tênue convivência de O Abajur Lilás. "A estrutura da dramaturgia das peças de Plínio é complexa, que aprofunda as sutilezas de cada personagem", analisa o diretor. A busca por um realismo convincente, que sustente as sutilezas do tratamento poético do enredo, move o trabalho de direção de Ferrara, que conta com o auxílio de Maria Lúcia Pereira. Nos momentos de maior tensão, por exemplo, ele pede o máximo de exasperação do ator. "O texto coloca os personagens em situações limite, o que aumenta nossa percepção de mundo e nos obriga a passar isso ao público", comenta Lavínia Pannunzio. "É impossível permanecer indiferente."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.