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Fernanda Montenegro vai ao subúrbio

A atriz vai coordenar, a partir desta semana oficinas gratuitas com jovens artistas em São João de Meriti (Baixada Fluminense), Brasília (DF), Goiânia (GO), Florianópolis (SC) e Campo Grande (MS)

Por Agencia Estado
Atualização:

A atriz Fernanda Montenegro criticou a Lei Rouanet, de incentivo à produção cultural nacional, na abertura da Oficina de Leitura Dramática para jovens atores, iniciativa da Brasil Telecom, nesta segunda-feira, no Rio de Janeiro. "Antes era algo direto, a gente ia a uma firma e apresentava o projeto. Quando o processo passa pelo dinheiro público, é terceirizado. A lei torna o auditor, o contador, a pessoa mais importante do projeto e lá no fim vem o artista. O artista é o último da lista", reclamou. A obrigação de ter uma empresa para poder requerer recursos pela Lei Rouanet, afirmou, acaba por desestimular a produção de quem está no início da carreira e enfrenta dificuldades até para poder sobreviver da arte. Para ela, essa suposta terceirização imposta pela lei "tira o sonho do criador". "Você precisa ter uma empresa para receber qualquer benefício, o que implica uma imensa despesa de quem não tem nenhum dinheiro, sobrevive com a ajuda dos pais. Para quem tem um tipo de trabalho alternativo, dificulta." Ela atacou o fato de a lei ser abrangente demais. "Engloba tudo: desde foguetes na Praia de Copacabana, em 31 de dezembro, ao presente que se vai dar a alguém, tudo", afirmou, causando risos na platéia do auditório do Sesc - no Flamengo, zona sul do Rio -, formada na maioria por atores e atrizes da Baixada Fluminense. "Mas é a lei que existe, e é com ela que temos de trabalhar", concluiu, resignada. Fernanda Montenegro vai coordenar, a partir desta semana e até o fim do ano, oficinas gratuitas com jovens artistas em São João de Meriti (Baixada Fluminense), Brasília (DF), Goiânia (GO), Florianópolis (SC) e Campo Grande (MS). A primeira será no Sesc da Baixada Fluminense, com atores da região. Durante uma semana, por pelo menos seis horas diárias nessas cidades, ela vai participar da leitura de textos de autores clássicos do teatro e de exercícios de palco com 12 pessoas - seis homens e seis mulheres - selecionadas por uma comissão e 20 ouvintes. "Esse tipo de leitura obriga à reflexão e é a base de quase todo o trabalho teatral no Brasil e no mundo", observou a atriz, que estava acompanhada do marido, o ator Fernando Torres. Falando para artistas de origem social humilde, ela lembrou o início de sua carreira, iniciada há 52 anos. "Faz parte do teatro mambembar, ir aos buracos, aos lugares pobres. Eu também tive minhas dificuldades, o meu subúrbio, minha família modesta." Ela atacou o preconceito da sociedade contra os artistas e a produção cultural de regiões pobres. "Há uma resistência cultural na Baixada. Acham que os artistas não estão lá, mas eles estão, sim, talvez mais vivos que os de cá. Sem demagogia." Durante as oficinas, serão lidas em grupo obras de autores como Sófocles, Shakespeare, Molière, Bertolt Brecht, Nelson Rodrigues e Millôr Fernandes. Os alunos receberão exemplares dos livros que serão utilizados no curso. A atriz comentou o fato de os selecionados, em breve apresentação, terem demonstrado paixão pelo teatro e a intenção de repassar o eventual aprendizado para suas comunidades - muitos já fazem trabalho artístico comunitário. Ela contou que, na maioria de suas viagens pelo País, ouve pedidos de emprego e a vontade de trabalhar em televisão, o que marca a desvalorização do teatro nacional em face do avanço do poder da televisão. "Normalmente, as pessoas querem saber como fazer para chegar à TV Globo. Ninguém aqui falou em TV, em novela das oito", elogiou. Fernanda Montenegro se emocionou no início de sua apresentação. Uma das integrantes da oficina começou a chorar ao recordar sua trajetória artística e antigos professores. A atriz tomou a palavra e, logo em seguida, também ficou com os olhos marejados e a voz embargada. "Ela tem razão de ficar assim. O teatro é mesmo uma força louca. Vocês acham que eu também não estou emocionada de estar aqui, ao lado de vocês?", perguntou, para o aplauso de todos.

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