Fernanda Montenegro fala da delicadeza

A diva dos palcos e telas brasileiros falará sobre a delicadeza, no CCBB de São Paulo, na abertura das comemorações do Dia Internacional da Mulher

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Por Agencia Estado
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Fernanda Montenegro será Fernanda Montenegro a partir de sexta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher. A atriz de 71 anos ? mais de 60 peças, 12 filmes, centenas de teleteatros, dezenas de novelas e minisséries ?, atuará sem máscara em Encontros com Fernanda, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, que acontecerá todo fim de semana até 7 de abril. Não há programa, apenas alguns temas serão colocados ao público para dar início à conversa. Um dos assuntos é a delicadeza. Fernanda pretende ler passagens de textos de Simone de Beauvoir, Brecht, Cornélio Pena, Clarice Lispector e poemas de Adélia Prado e Hilda Hilst. O projeto foi inscrito no programa cultural do CCBB, ao lado de outras dezenas, como se Fernanda dependesse de um pedido para ser atendida. ?Há alguns anos, não imaginava que isso me desse alegria. Agora estou entusiasmada?, diz a atriz, cuja mais recente participação na televisão, como Lulu de Luxemburgo em Filhas da Mãe, de Sílvio de Abreu, teve audiência abaixo do esperado e foi encurtada. Em 1997, outra novela estrelada por ela, Zazá, de Jorge Fernando, também naufragou no horário das sete. No cinema, Fernanda é responsável por uma inédita indicação para um brasileiro: concorrer ao Oscar de melhor atriz em 1999, por Central do Brasil, de Walter Salles. O filme foi também o primeiro brasileiro a ganhar o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Por seu desempenho, Fernanda levou o Urso de Prata. Filme e atriz colecionam quase 30 prêmios, dos Estados Unidos ao Casaquistão. Central do Brasil foi exibido em 22 países, sempre com ótimas bilheterias. Só na França, por exemplo, foi assistido por 400 mil pessoas. Em todos esses lugares, crítica e público são unânimes ao apontar sua grande atração: a interpretação de Fernanda Montenegro, na pele de Dora, uma amargurada professora, moradora do subúrbio, que escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Um dia, ela descobre-se tutora de um menino cujo sonho é reencontrar a família no nordeste brasileiro. Fernanda havia se destacado por outros papéis em filmes como A Falecida e Eles não Usam Black-Tie, este premiado no Festival de Veneza. Mas nenhum deles lhe deu a projeção da história contada por Walter Salles. O êxito se transformou em paixão, e, embora a projeção internacional tenha lhe rendido vários convites para atuar no exterior, principalmente nos EUA, Fernanda prefere trabalhar no Brasil. Neste ano, por exemplo, a atriz vai atuar em dois filmes: Do Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein, um dos roteiristas de Central, e O Redentor, com direção do filho Cláudio Torres, com quem trabalhou antes em Traição, de 1998. Para Fernada, a televisão é uma oportunidade para manter o sustento, mas, no íntimo, a atriz alimenta alguns sonhos. O principal: dirigir uma oficina de interpretação para atores. Fernanda Montenegro mora em Ipanema, de frente para o mar, com o marido, o também ator Fernando Torres, de quem ela se orgulha de dizer ser o único homem de sua vida. De lá, Fernanda falou por telefone com a Agência Estado sobre o encontro com o público em São Paulo, televisão, cinema e teatro. Agência Estado - O encontro de uma grande atriz com o público é sempre um acontecimento cercado de expectativa. Como a senhora pretende conduzir a conversa? Fernanda Montenegro ? Vou falar de uma virtude que hoje em dia está esquecida, a delicadeza, algo que se propõe seja um sentimento típico do feminino e não da criatura humana. E a delicadeza que compete à mulher é sempre uma delicadeza preciosa, maneirosa, uma visão depreciada, afeminada. Dizem: Ah, ela é muito delicada. Querem dizer que ela é muito idiota. E a delicadeza não é isso, pelo menos como a vejo. É preciso recuperar o prestígio da delicadeza. A senhora chegou a um ponto em que como atriz pode escolher no que trabalhar. Há desafios em sua carreira ainda? Não sei te dizer. Sempre digo e as pessoas não acreditam mas eu deixo a vida agir. Agora estou neste encontro com as mulheres. Há alguns anos não pensava que isso me daria alegria. Achei que nunca mais ia fazer novela, e eu gostei. Saí também para aceitar esses dois filmes porque gostei dos roteiros. Não armei isso. O que posso fazer é acordar todo o dia e trabalhar. Estou numa idade de observação. Olhando para o passado tenho muitos anos. Nada me surpreende. No teatro não há mais desafios. Você tem que ter apenas o frescor do prazer. Hoje o horizonte de expectativas para as meninas é se tornar modelo, sair em revistas, ser dançarina de axé e aparecer na televisão. Não é um repertório muito limitado? Claro. Mas do meu ponto de vista não é só isso. Não admito nem concordo que o jovem queira só isso. O problema é que esse repertório é que dá notícia. A senhora é uma pessoa que preserva a vida pessoal. Qual sua opinião sobre esses tempos em que a intimidade se tornou uma obsessão nos meios de comunicação? O mundo hoje prefere ver a fazer. A expectativa do olho da fechadura em cima de uma intimidade é sempre de caráter sexual. O vouyerismo sempre fez parte da história e cultura. O que está acontecendo é uma perversão do voyeurismo. O que se deve fazer é saturar. Acho que assim não dura um mês. Isso é uma onda. A novela "As Filhas da Mãe" acabou não tendo o êxito esperado e foi encurtada. Silvio de Abreu disse que o elenco inteiro lamentou isso. Era uma novela inteligente, uma história bem contada. O que aconteceu? Chegamos a um ponto em que até a telenovela se tornou um produto difícil para o público? Não sei o que aconteceu e não estou fugindo da sua pergunta. Um dia ficamos sabendo que a novela ia acabar no dia 18 de janeiro. Agora eu lhe pergunto: a novela que puseram no lugar (Desejos de Mulher) está fazendo mais Ibope? Eles estão satisfeitos? Isso não me diz respeito. Não sei dos interesses das altas esferas. Vivo pouco dentro da televisão. Agora existe, sim, um desgaste de autoria, desgaste de elenco e direção. Tudo se sofisticou demais, você perde uma manhã para entrar e sair de um edíficio, e isso não ajuda em nada uma novela. Diante desse cenário, a senhora pretende voltar a fazer novela? Vou participar da do Benedito Ruy Barbosa (próxima novela das oito, ainda sem título). Suas novelas observam bem o País. Os temas não são só apresentados, são discutidos. Mas faço televisão desde os anos 50. E assisto muito pouco. Trabalho à noite. Mas noto que o mercado está mais dividido. Há ainda uma hegemonia, mas o horário das sete está diluído. Quando você pega pela frente o sequestro da filha de Sílvio Santos, sequestro dele próprio, atentado nos EUA, não há novela que agüente. Hoje, para uma novela ir bem é preciso que não tenha um Bin Laden na curva do caminho. O cinema brasileiro representa apenas 10% de público no mercado. Se comparado com a Argentina, o número de lá é mais expressivo. Fala-se muito na retomada do cinema, mas o que se vê são poucas produções de qualidade. Como a senhora avalia? Acho 10% um milagre. Entre 1990 e 1994, o cinema morreu. Temos bons filmes, mas precisamos melhorar a distribuição e exibição. A senhora aprova o Concine? (órgão criado pelo governo para regulamentar a produção e distribuição de filmes nacionais) Sou favorável. Se tem furos, vamos tampar os furos. O problema no Brasil é que quando tem furos, não se tampa, faz-se outra lei. Como retomada de estrutura de atendimento temos que dar um voto de confiança. Depois do Oscar, a senhora recebeu convites para atuar nos EUA. Por que não aceitou? Eu tive muitos convites, mas sempre para ser uma chicana, uma salvadorenha, uma espanhola. Não sou hispânica, sou ibérica. Vou lá para fora para fazer uma porto-riquenha? Um papel no canto do filme? Se eu tivesse 20 ou 30 anos, eu poderia tentar uma vida lá fora. Mas não quero uma vida lá fora. Minha vida é aqui. Falo português e minha pátria é minha língua. O meu futuro já chegou, tá entendendo (risos). Vou para Los Angeles? Fazer o quê? Avó de uma chicana? (risos) Não tem lógica. Serviço: Fernanda Montenegro, no CCBB, sex., às 18h30; sáb., às 17h30 e 19h30; dom., às 18h30, rua Álvares Penteado, 112, Centro, tel.: 3113-3651, ingresso: R$ 15. Até 7/4.

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