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Coluna semanal do historiador Leandro Karnal, com crônicas e textos sobre ética, religião, comportamento e atualidades

Opinião|Feriados e felicidade

Países desenvolvidos têm muitos feriados e trabalham menos horas do que a média brasileira

Atualização:

No dia 21 de abril de 1792, morria enforcado Joaquim José da Silva Xavier. É história conhecida de todos nós. Tiradentes pagava a conta com a vida de uma conspiração de cunho liberal e iluminista, tentativa de libertar as Minas dos impostos lusitanos. Foram descobertos, denunciados e julgados. Faltaram com a fé no sistema colonial: eram inconfidentes. A maioria padeceu na prisão (verdadeiras masmorras à época), outros foram degredados (pena duríssima, quase uma sentença de morte) e apenas o alferes sofreu a pena capital. 

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Nesse período, várias outras revoltas e revoluções pipocavam em nosso continente e na Europa, ambas tocadas pelas Luzes. Treze colônias inglesas uniam-se em um novo país, o primeiro a reclamar soberania deste lado do Atlântico. Depois, na França, espocava um movimento que imitaria a Inglaterra do século anterior e deceparia a cabeça de um rei ungido. O Haiti seguiria o exemplo revolucionário de forma mais radical. No restante das Américas, muita gente planejou e tentou fazer o mesmo. O fundo comum, impostos altos, considerados injustos, um ideário republicano, certa desilusão com o Antigo Regime. 

No caso mineiro, a revolta naufragou na praia. Seria um apêndice na história do Brasil, apenas mais uma conjura em meio a centenas que não foram bem-sucedidas. Aliás, o Brasil só existe porque as revoltas foram fracassos práticos. Tivesse a Cabanagem ou a Farroupilha encontrado vitória, a cabeça e os pés do mapa nacional seriam distintos. Depois de derrotadas, as rebeliões viram “vitórias morais”. No caso da Inconfidência Mineira, o processo de construção foi mais demorado e só disparou com a República. José Murilo de Carvalho analisou de forma brilhante a luta para criar um herói nacional republicano no livro A Formação das Almas, o imaginário da República no Brasil (Companhia das Letras). O capítulo 3 da obra clássica trata do esforço para elevar Tiradentes a herói nacional no início de nosso período republicano. A memória sempre contém um processo de construção e deixa abertas questões como: por que Tiradentes e não Frei Caneca? Resposta: o segundo morreu pela causa pela qual derrubou sangue. Tiradentes nunca passou da etapa das ideias. Era mais imaculado, portanto. 

Se o objetivo era celebrar a autonomia do Brasil, curiosamente D. Pedro I seria um feriado mais efetivo. A ruptura com Portugal deve muito mais ao príncipe português do que ao alferes mineiro. Bem, o nascimento de D. Pedro I, 12 de outubro, já é feriado em virtude de Nossa Senhora Aparecida. A data do 7 de Setembro também já interrompe o trabalho. Em quase todas as cidades brasileiras mais antigas, há uma rua 7 de Abril, dia da abdicação do nosso monarca. Mas, o principal, como uma república, que depusera o filho de Pedro I para se estabelecer, comemoraria um monarca português como símbolo de soberania nacional? 

Antigamente o descobrimento do Brasil era comemorado com feriado em 3 de maio. A República nova queria novos símbolos e, em decreto de 1890, afirmava que “considerando que o regimen republicano basea-se no profundo sentimento de fraternidade universal; que esse sentimento não se póde desenvolver convenientemente sem um systema de festas publicas destinadas a commemorar a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas...” e criava-se o inédito feriado de Tiradentes, bem como se estabelecia o descobrimento em 3 de maio e até a celebração de 14 de julho, data francesa, como um dia de solidariedade universal.

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Getúlio Vargas acabou com o 3 de maio como feriado, mas não o substituiu pelo 22 de abril, seguindo as novas pesquisas históricas. Seriam feriados demais, pensava a administração do “pai da CLT”.

Como estamos percebendo, debater feriados é debater valores, entre o branco 13 de maio e o negro 20 de novembro, entre o republicano 21 de abril e o monárquico 7 de setembro, entre o popular dia da Cabanagem e o mais elitizado dia da Farroupilha: todas são escolhas políticas. 

O Rio de Janeiro, na sua sabedoria fluminense, decretou também o 23 de abril, dia de São Jorge/Ogum, como feriado. Assim, ponte inevitável, amiúde, afunda o projeto workaholic da semana toda. Coisa de cariocas? 

Para quem associa feriados a subdesenvolvimento, há o argumento favorável: Bangladesh é o país que tem mais feriados (quase um mês por ano). Para refletir, a pobre Nicarágua e o paupérrimo Sudão estão entre os países com menos feriados. A laboriosa Suíça para poucas vezes de fato. 

Ao contrário do senso comum, vários países desenvolvidos têm muitos feriados e trabalham menos horas do que a média brasileira. A questão está na intensidade do trabalho, em sua remuneração, na geração de riquezas, e não na sua extensão. Helen Russel narra no excelente O Segredo da Dinamarca (Casa da Palavra, 2016) que os habitantes daquele idílico país trabalham muito menos do que a média e valorizam muito as horas em casa. A Dinamarca é rica e com alto desenvolvimento social. Lá, 17 de maio é dia da oração e virou feriado nacional. Também não há expediente no dia da Ascensão de Jesus ou no dia de Pentecostes. São europeus ricos... É o conceito escandinavo de hygge, uma palavra difícil de falar (pronúncia aproximada ru-ga) e de conteúdo interessante: aconchego, conforto. Parece sempre mais fácil pensar em tais coisas na Dinamarca, porém o apelo ao lar como espaço de aconchego é um passo da felicidade. 

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Bom domingo para todos nós, trabalhadores que precisamos desesperadamente dos respiradouros dos feriados para ter hygge. Hoje eu preciso de feriados nacionais para, por algumas horas, parar de pensar no nacional...

Opinião por Leandro Karnal
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