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"Feliz Ano Velho" 20 anos depois

Quando Marcelo Rubens Paiva escreveu Feliz Ano Velho tinha apenas 23 anos e era aluno da ECA-USP. 20 anos depois, ele fala sobre as acusações que sofreu por causa do livro em entrevista

Por Agencia Estado
Atualização:

Há obras que definem uma geração. Há 20 anos, o País acabara de votar para governador, mas ainda vivia sob o regime militar quando o filho do deputado Rubens Paiva, desaparecido por obra de agentes do governo, lançou Feliz Ano Velho, pela editora do momento, a Brasiliense (atualmente, é publicado pela Siciliano). Combinando bastante autobiografia, muita liberdade gramatical e um outro tanto de imaginação, Marcelo Rubens Paiva, de 23 anos, calouro da Escola de Comunicações e Artes da USP, havia escrito o best seller que inauguraria o clima de liberdade e confusão que marcou os anos 1980 (nada como uma hipérbole de vez em quando). Atualmente, Paiva afirma ter perdido a conta de quantos exemplares já foram vendidos. "Parei nos 700 mil. Muitas faturas se perderam; também foi traduzido para muitos países, e alguns nunca me pagaram, como a Argentina e os EUA." Veja abaixo uma entrevista com Marcelo Rubens Paiva. Agência Estado - Como foi o lançamento do livro? Marcelo Rubens Paiva - Ele foi lançado em 14 de dezembro de 1982, no Sesc Pompéia. Curiosamente, só havia um exemplar, porque o funcionário da editora enviou as caixas erradas. Ninguém ligou. Queriam é beber de graça. Seu livro é uma espécie de "acerto de contas" com o acidente e também com a ditadura. Você acha que ele sobrevive? Por quê? Porque as entrelinhas são fundamentais. A história oculta contada é a de um garotão vida boa, que se estrepa em duas grandes tragédias, que sofre com os absurdos da vida e procura se reconstruir. É um livro de iniciativas políticas, sexuais e tribais. Você se acha melhor escritor hoje? A vantagem daquele livro é que eu era um estudante que fazia teatro amador e tocava Villa-Lobos ao violão. Podia me arriscar. Por outro lado, escrevo hoje melhor, com mais técnica, experiência, não tão inseguro. Seu livro foi adaptado para o cinema e o teatro. Qual mais lhe agradou? Ambas foram bem difíceis. É como ter um dia bastante infeliz reprisado cotidianamente. A peça tinha uma alegria circense contagiante e explorava mais o personagem do meu pai, coisa que fiz pouco no livro, para não parecer que escrevia sobre desaparecidos políticos. O filme tem uma melancolia que não explorei no livro por timidez. Já se disse que Feliz Ano Velho foi escrito por um ghost-writer. Qual foi o trabalho do Caio Fernando Abreu, ele fez o copy do livro? Estudei na ECA, fiz mestrado em Teoria Literária na Unicamp com extensão em Stanford, nos EUA. Este sutil preconceito nunca me abalou. Era como se eu, um deficiente, não tivesse condições. Quando entreguei o livro para o Caio Graco, o conselho da Brasiliense o recusou. Achavam que era subliteratura, algo de que sempre me acusaram por causa da radicalização da linguagem coloquial. O Caio Fernando me apoiou, porque, na revisão, resolveram colocar os pronomes corretamente, deixá-lo mais em acordo com a norma culta. Sugeriu que voltassem ao estilo em que escrevi. Só. Entendeu que o charme do livro era a linguagem diferente. Comprou a briga. Naquela época ninguém escrevia desse jeito. Hoje, é norma.

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