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Fausto Castilho e jornalistas do ‘Estado’ discutem 'Ser e Tempo'

Professor realizou a primeira tradução direta do alemão do livro, um trabalho de 30 anos

Por Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Foi por causa de uma dica de Merleau-Ponty que Fausto Castilho, então estudante recém-chegado à Sorbonne no final dos anos 1940, soube que Martin Heidegger estava voltando a dar aulas. Ele já havia se deparado com a obra do filósofo alemão antes de embarcar para a França e, uma vez lá, voltou a ouvir sobre ele na universidade, onde se estudava um Heidegger mais ligado ao existencialismo. Castilho, considerando que essa era uma forma de limitar o alcance desse pensador, concluiu ser necessário ir além, que era preciso estudar, pelo menos, seu principal trabalho, o monumental Ser e Tempo.

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"Trata-se de uma obra maciça, compacta, quase impenetrável, resultado de uma paciência total, de uma atenção que se prolonga através do tempo e parte da história de toda da filosofia." Por isso, criou com amigos um grupo para estudar alemão a partir desse título.

Esse foi seu primeiro contato com o livro que o acompanharia pelos 50 anos seguintes. Chegar até aí, porém, não foi tão simples. Ele quase teve de estudar Direito, mas com a ajuda do avô, dissuadiu seu pai da ideia. Insistiu que faria Filosofia e a questão seguinte era escolher onde: Brasil, Alemanha, Bélgica ou Espanha? Do mentor Oswald de Andrade, ouviu que deveria sair de São Paulo. Jornalista do Estado àquela época, Paulo Duarte entrou na história e sugeriu a escola francesa.

E foi contando todo esse caminho que Castilho, hoje com 83 anos, abriu, na terça-feira, 6, o debate promovido pelo Sabático e pela editora Unicamp, na Livraria da Vila, para marcar o lançamento da primeira tradução direta do alemão de Ser e Tempo (Unicamp e Vozes) no Ocidente, publicada em edição bilíngue (português e alemão), trabalho que consumiu 30 anos da vida do professor. Foi o primeiro encontro organizado pelas duas instituições e outros debates devem se seguir a esse. Participaram também o editor Rinaldo Gama e o repórter especial Antonio Gonçalves Filho, do Caderno 2 e Sabático.

E esse lançamento só foi possível porque Castilho aceitou a sugestão de Merleau-Ponty de aproveitar a volta de Heidegger à sala de aula. Durante um ano viajou para Freiburg para um curso ministrado por ele. O afastamento anterior é justificado pelo período de desnazificação pelo qual o filósofo passou e que foi comandada pelo Exército francês que ocupava a região. Isso remete ao primeiro texto que Castilho leu sobre Heidegger: numa edição de 1946 da Les Temps Modernes, revista editada por Jean-Paul Sartre, dois outros filósofos discutiam a adesão de Heidegger ao nazismo. Essa preferência persiste como uma mancha em sua biografia, mas o pensador sempre teve seu lugar nos debates. "Há uma razão hipotética que alimento: na oficialidade francesa que ocupava a região, havia muitos filósofos, e esses franceses que filosofam por toda a parte não iam levar ao exagero o castigo que o filósofo merecia."

Ao Estado, o tradutor disse que Heidegger era uma pessoa muito difícil e distante, e que o contato entre ele e os alunos não ocorria. "Eu sentava na primeira fila e nunca tive a possibilidade de trocar uma palavra com ele. Os assistentes e os professores tinham acesso a ele; nunca os alunos." Castilho teve aulas também com Eugen Fink, que fazia seminários sobre Gottfried Leibniz. "Ele era um homem aberto e todo mundo podia conversar com ele. Já Heidegger não fazia isso por causa do temperamento dele. Era meio grosso", relembra.

Foi aluno ainda de Gaston de Bachelard e Jean Piaget, entre outros. "Meus professores foram a alegria da minha juventude", conta o tradutor, que só fez esse trabalho para ensinar Heidegger aos seus alunos.

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