PUBLICIDADE

Faroeste "Matar ou Morrer" sai em DVD

Considerado à sua época uma alegoria sobre o macartismo, o clássico de Fred Zinnemann nunca convenceu muito os fãs do gênero

Por Agencia Estado
Atualização:

Ele já foi definido como o mais bem-sucedido acadêmico do cinema americano. Dois Oscars (por A Um Passo da Eternidade, nos anos 1950, e O Homem que Não Vendeu Sua Alma, nos 60), o apreço da maioria da crítica, a reputação de ter feito avançar o cinema de Hollywood, afastando-o das banalidades no rumo de um enfoque mais adulto da realidade, tudo isso esculpiu a lenda de Fred Zinnemann. Ele não ganhou o Oscar por seu único western, mas, em compensação, Matar ou Morrer é lembrado sempre entre os marcos do gênero - e quase sempre por quem não gosta muito de bangue-bangues. Matar ou Morrer está sendo lançado em DVD pela Continental. Não ostenta todos os extras a que teria direito, dada a sua fama: apenas biografias, trailer, stills da produção. Mas há um anúncio importante na contracapa. O supervalorizado "clássico" de Zinnemann foi telecinado diretamente do original. Não representa pouco. Matar ou Morrer deu a Gary Cooper o Oscar de melhor ator. Ele está impressionante como Will Kane, o xerife que busca ajuda para enfrentar o pistoleiro ou os pistoleiros que chegarão no seu encalço no trem das 12 horas e só encontra negativas. Basta essa situação dramática para que Zinnemann e seu roteirista Carl Foreman - mais tarde diretor de Os Vitoriosos - tratem metaforicamente do macarthismo, que ainda assolava o cinema americano. O filme é de 1952, é bom não esquecer. Era preciso coragem para tratar de assuntos incômodos que as fantasias despejadas nas telas tentavam ignorar, a todo custo. Cooper mereceu seu Oscar, portanto, e o mesmo pode-se dizer dos prêmios de música, para Dmitri Tiomkin, de canção, para Tiomkin e Ned Washington, por High Noon (Do Not Forsake Me, Oh My Darling), e o de montagem, para Elmo Williams e Harry Gerstad. O que seria o mais merecido de todos os prêmios de Matar ou Morrer o filme não recebeu. Seria o de fotografia, um prodigioso trabalho em preto-e-branco de Floyd Crosby. Você não vai esquecer aquelas nuvens no céu de High Noon (o título original). Não veio delas a polêmica que Matar ou Morrer provocou, na época, e continua alimentando até hoje. Críticos que podem ser definidos como westernmaníacos (André Bazin à frente) rejeitaram as impurezas formais do western de Zinnemann e, comparando-o aos clássicos de John Ford, por exemplo, preferiram defini-lo como falso western. O maior pecado de Matar ou Morrer seria, ou é, a sua excessiva preocupação em parecer sério. Outro, que os críticos também gostam de imputar ao filme, é o seu zelo na descrição psicológica dos personagens. Nos westerns de Budd Boetticher com Randolph Scott, a psicologia se expressa quase que exclusivamente pela ação e o desenho dos personagens é forte. O mocinho e o vilão não são meros estereótipos. São as duas faces da mesma moeda: o vilão é sempre a projeção do lado escuro do mocinho. Tempo - Essa preocupação acintosa com o psicologismo aproxima Matar ou Morrer de outro western que também costuma animar discussões: o Shane de George Stevens, lançado no Brasil como Os Brutos Também Amam. Só que a alegoria cristã de Stevens é mais bela, mais densa e misteriosa. É possível vibrar mais com o Shane de Alan Ladd, que o diretor comparava a Galahad em busca do Graal. O mais curioso é que em Veneza, há alguns anos, um documentário sobre Zinnemann foi exibido na seção paralela Finestra Sull´Imagine e o filho do diretor, Tim, deixou todo mundo de boca aberta ao dizer que, ao contrário do que normalmente se pensa, seu pai e o roteirista Foreman - vítima do macarthismo - nunca quiseram fazer do filme uma metáfora sobre a caça às bruxas. Bom, quer dizer que nem essa qualidade Matar ou Morrer tem, é isso? Como Robert Wise havia feito antes, em Punhos de Campeão, Zinnemann faz coincidirem o tempo real e o cinematográfico. A história decola às 10h40 de um domingo, quando Will Kane fica sabendo da chegada, no trem do meio-dia, do pistoleiro que expulsou da cidade, há tempos. O cara vem com três capangas para matá-lo. Coincidentemente, também às 12 horas Kane deve casar-se com uma quacre, papel interpretado por Grace Kelly. E ele já anunciou que está abandonando o cargo. Acuado, o xerife pede ajuda e, ao contrário do que normalmente ocorre, ninguém na cidade se anima a apoiá-lo. Zinnemann e Foreman valem-se dessa covardia coletiva para atacar o macarthismo - mas o filho do diretor diz que não - e ainda conferem a Matar ou Morrer o título de western "antipopulista´. A verdade é que, mais do que o macarthismo, o tema de Matar ou Morrer é mesmo a crise de consciência, que Zinnemann voltaria a desenvolver, por meio de Thomas More, em O Homem que Não Vendeu Sua Alma. Era típico do diretor tratar da revolta e da dignidade de homens que resistem, quando o mais fácil seria curvar-se. A polêmica foi grande no arraial da crítica e Howard Hawks terminou fazendo o "anti-Matar ou Morrer". Em Onde Começa o Inferno (Rio Bravo), o xerife John Wayne tenta mostrar sozinho seu profissionalismo, mas há sempre pessoas tentando ajudá-lo e uma delas é Dean Martin, como o pistoleiro bêbado que readquire sua dignidade por meio da ação. Matar ou Morrer originou até uma paródia, no Brasil, nos saudados tempos da Atlântida. Matar ou Correr, de Carlos Manga, com Oscarito como xerife e Grande Otelo como seu parceiro, é de morrer de rir. Serviço - Matar ou Morrer (High Noon). EUA, 1952. Direção de Fred Zinnemann, com Gary Cooper e Grace Kelly. DVD da Continental. Nas locadoras e lojas, R$ 35

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.