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"Fantasmas do Everest" revê mistério do alpinismo

Em 1924, George Leigh Mallory e Andrew Comyn Irvine perderam-se na empreitada de escalar a montanha. Em 1999, uma expedição buscou descobrir se eles teriam ou não chegado ao pico antes da morte

Por Agencia Estado
Atualização:

Calcula-se que mais de cem corpos de alpinistas repousem nas encostas do Monte Everest. Gente já se juntou a eles na bem-intencionada tentativa de tirá-los da montanha, mas dois homens que sucumbiram ao desafio de atingir o teto do planeta, especialmente, alimentam um mistério que atravessa décadas. E justificaram a montagem de uma expedição de US$ 300 mil para tentar explicar o que aconteceu com eles há 75 anos e, principalmente, se atingiram o pico da montanha antes de morrer - a maior dúvida da história do alpinismo. A história da terceira tentativa de alcançar o cume do Everest, em 1924, e da expedição montada para procurar George Leigh Mallory e Andrew Comyn Irvine, no ano passado, é o tema do livro Fantasmas do Everest. Com muitas fotos registrando a busca - e os seus achados - o livro foi "ditado" ao escritor William E. Nothdurft pelos mentores da expedição: o historiador do Everest Jochen Hemmleb, Larry A. Johnson, coordenador da empreitada, e Eric R. Simonson, chefe da Expedição de Pesquisa Mallory & Irvine. À exceção do alemão Hemmleb, os demais são norte-americanos. O que teria acontecido no dia, na tarde/noite de 6 de junho de 1924? Há um ano, alpinistas experientes, sherpas (escaladores locais de grande capacidade de aclimatação à altitude), cinegrafistas e pessoal de apoio partiram para a face norte da montanha, do lado do Tibet, para tentar descobrir. O autor conduz as duas tramas, as expedições de 1924 e 1999, de maneira muito agradável e atraente para o leitor, mesmo aquele que tenha pouca intimidade com o alpinismo, suas técnicas e histórias. A passagem do passado para o futuro, e vice-versa, é constante e revela os contrastes gritantes entre os recursos disponíveis para os escaladores antigos e os atuais. Em 1924, a viagem de centenas de quilômetros durou meses, cruzando um região ainda não mapeada; hoje, aviões e veículos 4x4 permitem que o acesso seja muito mais rápido. Passada a aborrecida fase de tornar viável o projeto, com idas e vindas para obter patrocínio, cobertura da mídia, resolver intrigas entre canais de televisão interessados na história, o relato ganha emoção. Imagine uma boa história policial envolvendo detetives trabalhando em um ambiente com condições-limite para o corpo humano, como ar rarefeito e temperaturas baixíssimas. O resultado é Fantasmas do Everest. Sherlock - Como nas melhores tramas de Arthur Conan Doyle e seu Sherlock Holmes - personagem muitas vezes lembrado pelo autor - a investigação nas encostas geladas da montanha de 8.850 metros de altitude segue as pistas deixadas 75 anos atrás, mas a intuição dos escaladores também conta. Como um detetive cerebral, a equipe depois tenta montar as peças do quebra-cabeça: a última visão relatada dos escaladores, há 75 anos, a localização do corpo de um deles agora, cartas, bilhetes, cilindros de oxigênio e até cálculos de fluxo de ar. O rigor é quase científico. Fantasmas do Everest é uma leitura altamente prazerosa para quem possa ter ficado um pouco frustrado com alguns dos relatos em português sobre escaladas na montanha. Quando seis dos escaladores partem para a tentativa final de chegar ao cume, tentando reproduzir - e verificar a viabilidade - do que Mallory e Irvine teriam feito há três quartos de século a narrativa ganha muito com a ação eletrizante. Cristas até fáceis, mas assustadoramente expostas a quedas de até 3 mil metros de altura, rochas escorregadias, camadas de neve projetadas sobre abismos onde corpos de seis escaladores "modernos" tinham sido encontrados apenas duas semanas antes dão o tempero da aventura. A descrição detalhada do que é, tecnicamente, escalar acima de 8 mil metros de altitude - onde só há um terço do oxigênio que se respira ao nível do mar - é muito feliz. Traduz, mesmo para o leigo, o que significa estar numa montanha como o Everest. Ilustrações, no entanto, poderiam ajudar bastante na compreensão do leitor, que se pode ver um pouco confuso com a seqüência de ataque ao cume. Enigma - A expedição avançou muito nas dúvidas sobre a saga sem volta de Mallory e Irvine, mas não respondeu a maior pergunta. Graham Hoyland, produtor da BBC e integrante da expedição, sonhava recuperar a câmera fotográfica que seu tio, Howard Somervell, emprestara a Mallory para a tentativa de chegar ao cume do Everest. A tradicional foto no pico da montanha comprovaria o sucesso da dupla, mas a máquina não foi localizada com o corpo de Mallory - nem nas imediações. Mas nos bolsos do escalador, um professor descrito como "extremamente bonito", também não foi encontrada a foto de Ruth, sua esposa. Mallory prometera a ela depositar a foto no cume. O neozelandês Edmundo Hillary e o sherpa-indiano Tenzing Norgay continuam sendo reconhecidos como os primeiros homens a pisar nesse ponto extremo do planeta, em 1953. O corpo de Mallory foi achado mais rapidamente do que se esperava, em 30 de abril de 1999. Seis meses depois, a primeira edição do livro, em inglês, estava chegando às livrarias. A agilidade só não justifica algumas deficiências do texto. Uma delas, levando em conta o cuidado de Nothdurft, chega a incomodar, como a repetição, nove vezes, da palavra "expedição" apenas em uma página. Fantasmas do Everest - em Busca de Mallory e Irvine,de William E. Northdurft, editora Companhia das Letras, R$ 57,00.

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