
22 de maio de 2012 | 03h10
Ele é uma grife, que a mídia e a indústria fonográfica não se cansam de explorar. Representa a porta de entrada num mercado consumidor de 1,3 bilhão de pessoas e um universo de dezenas de milhões de aprendizes de pianistas. É o oásis pelo qual anseiam as gravadoras, atualmente na UTI. A Sony pagou US$ 3 milhões de luvas para "roubá-lo" da Deutsche Grammophon. Plateias do mundo inteiro já chegam às salas de concerto dispostas a incensá-lo. E a mídia se omite. Isso é economia & negócios, pouco tem a ver com música.
Anteontem, numa Sala São Paulo lotada, Lang Lang fez seu primeiro recital no País. O programa levou-o a se expor demais na Sonata D. 960 de Schubert. Foi mediano na primeira peça, a Partita n.º 1 de Bach, apesar de rubatos mal colocados.
Mas, daí em diante, sua interpretação me fez lembrar de uma frase do violoncelista Pablo Casals: "A arte da interpretação consiste em não tocar o que está escrito." Ou seja, interpretar é mais do que ler e reproduzir corretamente as notas. É capturar a arquitetura da obra, e distribuir seus campos de força ao longo dos movimentos, de modo a não despedaçá-la - deformando-a.
Foi o que aconteceu com a sonata. Os pianíssimos eram superpianissímos, os fortíssimos superfortíssimos martelados. Lang Lang deu um belo espetáculo visual ao público, mas musicalmente se enredou todo. Principalmente no Molto Moderato, que virou um moltíssimo moderato; isso o obrigou a ralentar ainda mais o já lentíssimo Andante sostenuto; voou baixo no scherzo, um Allegro Vivace que esqueceu o complemento 'con delizatezza'; o Allegro ma non troppo final virou mero preâmbulo para o Presto finale. É só conferir a preciosa versão de Radu Lupu para se dar conta disso.
Tecnicamente, Lang Lang é ótimo. O problema é que, em vez de verter uma lágrima, cai na choradeira; e no lugar do meio sorriso encaixa uma gargalhada (as sacadas são de Antony Tommasini, do New York Times). As mesmas deficiências de alargamento excessivo da dinâmica aconteceram nos 12 Estudos opus 25 (ouça a versão excelente de Nélson Freire). Lang Lang saiu-se bem apenas nos três finais, lisztianos até a medula, com direito a oitavas duplas e arpejos em velocíssimas cascatas.
Crítica: João Marcos Coelho
JJJJ ÓTIMO
JJ REGULAR
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