Fagundes discute em cena relação com a platéia

Em Sete Minutos, que ele próprio escreveu, Antônio Fagundes vive um ator que abandona o palco após ser interrompido pelo celular de um espectador. Peça estréia quinta-feira, no Teatro Cultura Artística, com direção de Bibi Ferreira

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Por Agencia Estado
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A vida é uma história, cheia de som e fúria e significando nada - as célebres palavras de Shakespeare em Macbeth são declamadas com paixão pelo ator, que está completamente hipnotizado pelo texto. Nem mesmo as incômodas tossidas que pipocam na platéia ou o burburinho dos atrasados que ainda procuram seu lugar conseguem quebrar o encanto. De repente, um celular toca. O limite da paciência foi excedido: inconformado com a impertinente invasão sonora, o ator simplesmente interrompe a apresentação, abandona o palco e vai para o camarim, deixando boquiabertos público, a empresária e o restante do elenco. "A relação entre o ator e os espectadores sofreu muita modificação ao longo dos anos, o que deixou o teatro muito atomizado", comenta o ator Antônio Fagundes que, inquieto com tal constatação, escreveu - ele próprio - a peça Sete Minutos, que estréia na quinta-feira, na grande sala do Teatro Cultura Artística. Além de ser o autor, ele também interpreta o papel principal, sob a direção de Bibi Ferreira. Fagundes faz justamente o ator que deixa inconformado o palco antes da fala final de Macbeth. Como se trata de uma comédia, ele adotou uma situação-limite para tratar de assuntos que há muito o incomodam. "A peça fala sobre a paixão pelo teatro, sobre a liturgia que é assistir a uma representação nem sempre encarada como tal", comenta. "Quero mostrar que o teatro ainda tem uma vitalidade própria, que precisa ser saboreada sem pressa." O título vem justamente dessa pressa atual em se alimentar de informação. Fagundes lembra que sete minutos é aproximadamente a duração total dos comerciais que são intercalados durante um telejornal ou a exibição de um filme na TV. Ou, em muitos casos, é o tempo que as pessoas gastam para dar uma passada de olhos nas manchetes dos jornais. "Toda essa pressa acaba sendo levada para o teatro, que é uma arte que exige um tempo maior de apreciação." Há muito essas inquietações perseguem Antônio Fagundes que, concentrado no trabalho (nos últimos meses, além de participar da novela Esperança, participou do novo filme de Carlos Diegues, Deus É Brasileiro, no qual interpreta o Próprio), não conseguia a brecha necessária para se concentrar na escrita. Até que se obrigou a se debruçar sobre a idéia e, depois de quatro meses, conseguiu terminar a peça. Estréia - Trata-se do segundo texto teatral da carreira de Fagundes, que estreou, em 1980, com Por Telefone, uma comédia sobre a decadência da classe média e que abordava assuntos contemporâneos, como corrupção, desemprego e multinacionais. "O humor está presente em todo o texto, mas o que o torna engraçado é a própria situação patética de um casal de classe média, que sempre se omitiu e sempre esteve a favor do sistema, e de repente percebe que esse sistema está contra ele", relembra. A peça foi bem recebida pela crítica que, apesar de algumas ressalvas, reconheceu suas qualidades. Sábato Magaldi, por exemplo, em crítica publicada no Jornal da Tarde, elogiou a segura direção de Antonio Abujamra e a boa interpretação de Débora Duarte e Luiz Carlos Arutin. Sobre o autor, escreveu: "Fagundes domina a gramática, mas ainda não a sintaxe da dramaturgia." O aprimoramento veio com a própria encenação de textos consagrados e também com o exercício constante do ato de escrever - já naquela época, acostumou-se a fazer crônicas para jornais e episódios de seriados para a tevê, um bom teste para o que considera essencial em uma peça: diálogos necessários e personagens vivos em cena. "O grande problema é um personagem ficar falando demais quando o público já entendeu a mensagem", explica ele que, para garantir a segurança de sua segunda incursão autoral, convidou uma diretora experiente. Bibi Ferreira nunca havia trabalhado com Fagundes e rapidamente arrumou uma brecha em sua intensa agenda de atividades. Logo nos primeiros ensaios, fez uma descoberta engraçada. "Apesar de ter escrito todos os diálogos da peça e de ter uma excelente memória, ele mesmo teve certa dificuldade em decorá-los", diverte-se Bibi, que descobriu ser necessário ter dois tipos de conversa com Fagundes: um com o ator, outro com o autor. "Às vezes, um entrava em cena se debatendo com o outro." As situações eram realmente resolvidas em espaços separados - quando tratava da atuação, Bibi conversava com Fagundes no palco mesmo. Mas, se o problema envolvia a dramaturgia, puxava-o para o canto. "Ele escreveu um belo texto, em que está expondo suas observações do cotidiano e sua reflexão sobre a relação com a platéia", explica a diretora. "A mensagem, aliás, é emitida diretamente para o público, sem subterfúgios: é o desabafo de um ator infeliz com a forma como seu trabalho é recebido." Noção - A experiência de Bibi Ferreira foi essencial para Fagundes descobrir mais detalhes na mecânica do próprio texto. "Ela tem a noção exata da potencialidade de um texto, sabendo o tempo exato que o ator vai ter de esperar para dizer sua fala enquanto o público ri da piada anterior", comenta ele, que foi alertado pela diretora para o efeito cômico de algumas cenas que julgava inexistente. "Bibi descobriu em algumas cenas uma forma de interpretar que provoca o riso, algo que eu, como autor, não tinha notado." Os detalhes, aliás, são importantes para a diretora - depois de uma apresentação especial para amigos, na semana passada, Bibi reuniu o elenco para aparar as últimas arestas. "Diminua um pouco o tom da voz, pois ninguém do público falaria dessa maneira", disse, por exemplo, para Tácito Rocha, que interpreta um espectador. Bibi também trocou idéias com Jorge Takla, responsável pela iluminação. "Ela tem um olhar detalhista, que sempre faz a diferença", comentou Takla. Como o tom do texto é a discussão das relações, Cláudio Tovar criou um cenário em que os objetos são praticamente transparentes, sem esconder quase nada. O elenco é completado por Suzy Rêgo (a empresária), Neusa Maria Faro (espectadora), Denis Victorazo (Jovem Ator) e Luiz Amorim (Tenente). Como acontece há 25 anos, Fagundes determinou que a peça começará rigorosamente no horário e não será permitida a entrada após o início. "Fico feliz quando, ao abrir a cortina, vejo as luzinhas dos relógios: são os espectadores conferindo se cumpri minha promessa", comenta. Sete Minutos. Comédia. De Antonio Fagundes. Direção de Bibi Ferreira. Duração: 90 minutos. De quinta a sábado, às 21 horas; domingo, às 18 horas. De R$ 30,00 a R$ 70,00. Teatro Cultura Artística. Rua Nestor Pestana, 196. Tel. (11) 3258-3616. Patrocínio: Embratel. Estréia quinta.

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