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Fábula de amor se passa em 2005

A Máquina conta a história de amor entre Antonio e Karina na cidade de Nordestina e fala de gente que migra para os grandes centros para sair do anonimato. Escrita por Adriana e dirigida por João Falcão (A Dona da História e Uma Noite na Lua, a peça estréia em palco circular giratório no Sesc Belenzinho

Por Agencia Estado
Atualização:

Um homem comum que transforma o mundo por amor. Esse é o tema de A Máquina, fábula escrita por Adriana Falcão e levada ao palco pelo diretor João Falcão, o mesmo de sucessos como A Dona da História, com Marieta Severo e Andréa Beltrão, e Uma Noite na Lua, com Marco Nanini. Depois de estrear em Pernambuco, passar por Curitiba, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, A Máquina finalmente chega a São Paulo para uma temporada que começa nessa quarta-feira no Sesc Belenzinho. A ação da peça transcorre no futuro, lá pelo ano 2025. Falcão construiu uma arquibancada em forma de arena especialmente para a encenação daí a necessidade de um espaço não convencional, oferecido pelo Sesc Belenzinho. No centro da arena, cinco ótimos atores, três baianos e dois pernambucanos, são responsáveis pela movimentação do palco circular giratório. Apesar do tempo "futuro", não há projeções mirabolantes ou grandes efeitos visuais em cena. "A idéia de um palco giratório foi uma das primeiras que tive", conta Falcão. "Pensei num palco movido por um motor, mas me dei conta que isso seria um absurdo numa história cujo motor é um homem; o palco tinha de ser movido por ele." É como se, na encenação dessa antiga fábula, o "diretor do futuro" e sua equipe técnica tivessem resolvido inspirar-se nos recursos do passado e criar um espetáculo centrado no talento dos atores. Embora tecnicamente muito elaborado - são sofisticados os recursos sonoros e de iluminação -, o resultado da concepção de Falcão é de uma simplicidade tocante. E encanta como a fábula de Adriana, sua fonte de inspiração. No centro da arena, como antigos e bons contadores de casos, os atores revezam-se entre narrar e representar a história do amor de Antônio por Karina. A arena é dividida em quatro partes e, conseqüentemente, os espectadores em quatro grupos distintos. Cada um tem diante de si um Antônio diferente, um dos quatro atores contando e criando a seu modo o personagem central. Que se revezam diante do público a um toque dos pés no palco giratório. Abandono - Voltando à história, o tal Antônio vivia numa cidade chamada Nordestina. Era um lugar sem futuro, esquecido no sertão, fadado a ser abandonado aos poucos por praticamente todos os seus moradores. Ali, "o tempo andava espaçoso por não ter quem lhe interrompesse em momento importante", narra Adriana numa linguagem literária na qual retrabalha poeticamente a fala nordestina. Linguagem respeitada no palco pelo diretor. Quase todo mundo pensa em um dia ir embora de Nordestina menos Antônio, o número 19 na folha de pagamento da prefeitura local, que não considera sua vidinha besta. Ele é apaixonado por Karina e isso lhe basta para ser feliz. Toda noite, depois que termina o expediente na prefeitura, ele vai até a casa de Karina para treinar, ou melhor, "ensaiar", como sempre emenda sua amada. É que naquele tempo, explica o narrador, "toda moça queria ser bonita e toda moça bonita queria ser atriz de televisão". E o narrador aproveita ainda para explicar ao espectador do teatro o que era a televisão do passado, lá do ano 2000. "Era um negócio que ficava passando umas historinhas para o povo ficar vendo; as historinhas iam acontecendo aos pedaços, de vez em quando vinham, não um, mas vários anúncios para vender coisas assim como bicicleta", diz. "A finalidade era encontrar quem quisesse comprar o que era anunciado, pois com parte do dinheiro da venda se pagavam os anúncios e com parte do dinheiro dos anúncios pagava-se a feitura das histórias, mas eles faziam as historinhas tão bem-feitas que quem olhasse assim pensava que a finalidade era essa e não aquela." Busca - Um dia, a vida de Antônio sofre uma reviravolta. É quando Karina acha que já "treinou" bastante e resolve também partir de Nordestina para conquistar o mundo. "É o mundo que você quer?", pergunta Antônio. "Então eu trago ele para você." Nesse dia, Antônio deixa Nordestina em busca do mundo. Mas não gosta do que encontra. Como presentear sua amada com um mundo tão feio, injusto, sujo e desengonçado? É preciso assistir ao espetáculo para saber como e por que ele criou uma máquina para viajar no tempo e, dessa forma, mudou o mundo. Mais que isso, o espectador vai descobrir de que forma - depois de tanto dar tratos à bola para fazer o tempo passar logo até o momento de encontrar Karina - Antônio acabou amigo do tempo, parceiro precioso no seu intento de transformar o mundo. A idéia inicial de Adriana era escrever A Máquina como uma peça de teatro. A pedido de Falcão, iria falar sobre gente que mora longe das grandes capitais e migra para as grandes cidades não por necessidade de sobrevivência, mas para sair do anonimato, se sentir alguém. Adriana enfrentou dificuldades com a linguagem dramática e desistiu de escrever a peça. "Teatro não é minha praia", disse ao diretor e companheiro. Mas Falcão ficou impressionado ao ler o que ela já havia escrito. "O texto tinha tal força poética que eu pedi que ela esquecesse o teatro e seguisse escrevendo", lembra. "No fundo eu sabia que iria levar o texto ao palco de qualquer maneira", conta Falcão. Assim nasceu a fábula A Máquina, publicada pela editora Objetiva (125 págs., R$ 16,00). Uma boa história, agora bem contada no palco. Bastaria isso e o prazer do espectador estaria garantido. Mas o espetáculo dirigido por Falcão proporciona um prazer a mais. Ouvir um legítimo sotaque nordestino em cena, falado por atores talentosos, que dominam naturalmente a prosódia interiorana e, não menos importante, ver atores cujo tipo físico pouco tem a ver com o padrão estabelecido de beleza no papel de galãs. Afinal, os quatro atores vivem Antônio o mocinho da história, mesmo tendo os mais variados biotipos. "Também acho muito legal ver as meninas atraídas pelos atores ao fim do espetáculo, assim como ouvir aquela prosódia nordestina no palco", concorda Falcão. "Mas isso foi uma conseqüência, não foi meu objetivo na escolha do elenco." Segundo ele, a sua maior preocupação na seleção, "um processo demorado", foi a de escolher atores que tivessem a vivência da idéia central do espetáculo. Vivência - "Para além do conhecimento do universo retratado e do necessário domínio dessa prosódia recriada por Adrina, quase um dialeto, o que mais norteou minha escolha foi a busca por atores que soubessem, na pele, o que é essa sensação de invisibilidade de quem vive fora dos grandes centros", diz Falcão. "O que mais me interessava era essa vivência; gente que atua com sucesso em sua cidade, mas continua invisível porque não está na novela da Globo, não é notícia na imprensa das capitais." Nos testes, foram os próprios atores selecionados que tomaram a iniciativa de abordar esse tema. "Eu vejo teatro no Nordeste e já conhecia todos do palco, em boas atuações, não necessariamente dentro do universo dessa peça", conta Falcão. "Vi, por exemplo, Lázaro Ramos interpretando o personagem Sancho Pança, Gustavo Lago atuando numa peça contemporânea, sobre a aids e Karina numa montagem de Esperando Godot, de Beckett." Nuances - O elenco de A Máquina, o mesmo desde a estréia, é integrado pelos baianos Ramos, Wagner Moura, Vladimir Brichta e pelos pernambucanos Lago e Felipe Koury (stand by) que contracenam com a também pernambucana Karina Falcão, prima do autor. O domínio da cultura nordestina trouxe outra vantagem ao diretor. "Caso trabalhasse com um ator de cultura urbana, do Rio ou São Paulo, teria de construir nos ensaios o que esse elenco já tinha como vivência." Essa intimidade com o universo do personagem permitiu canalizar o tempo de ensaio no aprofundamento da história. "Pude trabalhar nuances." Conhecido pela utilização de recursos eletrônicos no palco tais como projeções e iluminação feérica, Falcão surpreende em A Máquina. Não há projeção em cena nem mesmo quando Karina assiste a um videoclipe, abandonando um indignado Antônio que descreve para o público o que "era" o tal do "clipe". Falcão, no entanto, não vê diferença entre essa e as outras encenações de sua carreira. "Sou muito tranqüilo quanto à utilização de recursos e não vejo diferença entre um refletor comum e um projetor Sonny último modelo; o teatro sempre utilizou os recursos à sua disposição", argumenta. "Em A Máquina, por exemplo, o sistema de som é muito sofisticado, do contrário não haveria audição perfeita naquele espaço." A Máquina. Comédia. Adaptação do livro homônimo de Adriana Falcão. Direção João Falcão. Duração: 70 minutos. De quarta a sábado, às 21 horas; domingo, às 20 horas. R$ 20,00. Sesc Belenzinho - Galpão de Exposições. Avenida Álvaro Ramos, 991, tel. 6096-8143. Até 26/11

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