
10 de novembro de 2012 | 02h12
MOACIR AMÂNCIO
A novela Dardará, de O.C. Louzada Filho, de 1965, sai em segunda edição, após um longo e injusto esquecimento, quando se considera sua atualidade e fatura literária. Trata-se de uma síntese estético-política precisa, na clave da falência da narrativa - que valor comum estaria no pacto com o leitor para legitimar o texto? Há um engenheiro escritor dividindo o tempo entre a literatura e a construção de uma ponte sobre o mar. Um quilombo no trajeto seria problema, mas isso nada significa para o executor da obra, assim como o que ele escreve também não deve ser nem ao menos uma busca vaga de sentido e sim um discurso que se esgota em si. Esse niilismo descartável incide na sua relação com uma cantora, com quem visita uma mostra de arte. A novela vai do vernissage à ponte e a alguns momentos de escrita. Um vazio sobre o outro: não haverá confronto com o quilombo, "apenas" destruição e morte. Ordens são ordens - e para cumpri-las o engenheiro deve concluir a tal ponte sem atentar para nada.
A linguagem porém se revela permeável às tensões e se denuncia pelo travamento do discurso, independentemente do engenheiro escritor, ele sim objeto frente à máquina de escrever. Essa linguagem não está colocada em xeque por um grito, mas por um murmúrio, o "hum, hum" do líder do quilombo, expressão de dúvida e ansiedade apontando para um futuro incógnito anunciado pelos passos de uma tartaruga representada nas colagens da mostra - o enigma do tempo persiste. É como se todo o texto se fixasse nesse murmúrio, com a significação inoculada pelo grunhido que se projeta pelo texto. Uma viagem renovada ao coração das trevas.
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