Explosão surrealista

Inspirada em tela desaparecida de Dalí, ‘La Verità’ chega a São Paulo

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Por Maria Eugênia de Menezes - RIO
Atualização:

Desaparecida havia anos, uma imensa tela de Salvador Dalí ressurge. O que fazer com ela? Surpreendentemente, seu destino não foi um museu ou a sala de um colecionador particular. Mas o palco.

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Em La Verità– espetáculo que chega nesta quarta, 7/8, a São Paulo depois de percorrer quatro capitais brasileiras –, o ponto de partida é um painel criado pelo artista espanhol nos 1940. Foi de posse da pintura – e tomado pelos caminhos que ela sugeria – que o ítalo-suíço Daniele Finzi Pasca concebeu a montagem.

O diretor conquistou fama internacional por suas criações grandiosas. No Brasil, pôde ser visto recentemente em Donka – Uma Carta a Chekhov, montagem de 2010, e Corteo – obra do Cirque du Soleil que levava sua assinatura. Agora, está no Canadá, criando o espetáculo de abertura da próxima Olimpíada de Inverno.

O encenador mantém seus traços característicos em La Verità: concebe algo entre o circo e o teatro, com números de clowns e demonstrações acrobáticas. “A peça é como um caleidoscópio de pequenas narrativas, fragmentos que se inspiram todos nessa tela”, comenta ele.

Com cores esmaecidas, o painel traz as figuras dos amantes Tristão e Isolda. Foi criado para servir de cenário a Tristan Fou: balé visto em Nova York em 1944 e que se autodenominava como uma dança tragicômica.

O caminho trilhado pela cia de Pasca se aproxima dessa ambiguidade original. Sua obra cênica está a lidar com um constante jogo de contrastes. Persiste oscilando entre o grotesco e o lírico. Permite que a tela de Dalí tenha espaço próprio na criação, mas faz isso sem adotar uma postura reverente.

Não existe uma organização linear para a narrativa da montagem. “E isso se encaixa perfeitamente à própria lógica do surrealismo”, ressalva o diretor. “O sonho, que é umas das formas mais poderosas de nos comunicarmos com nós mesmos, também não é linear.” Sua intenção, admite, é construir um espetáculo que provoque mais pela emoção do que pela sofisticação intelectual.

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E, talvez por isso, os acrobatas tenham recebido lugar de tanto destaque na produção. Também segue por essa vereda a criação de imagens impactantes. Luzes, música e movimentos virtuosísticos foram cuidadosamente amalgamados de forma a criar forte efeito em quem está na plateia.

Se as peripécias aéreas servem para romper com a ideia de real, as incursões dos palhaços desempenham função oposta: sair da zona do sublime e aproximar o público do comezinho. “O jogo que ele cria com os clowns é justamente uma maneira de dessacralizar essa relação com a tela de Dalí”, considera a atriz Beatriz Sayad, única brasileira a compor o elenco formado por artistas do Canadá, Itália, Suíça, Argentina, Austrália, Espanha, Paraguai e França.

O título escolhido – La Verità – surge como pista relevante para quem quiser desvendar parte do mistério da criação. Verdade e mentira, aspectos importantes na trajetória de Finzi Pasca, surgem ainda mais embaralhados. “Se tomarmos a física contemporânea, percebemos que tudo aquilo que tomamos como verdadeiro já pode ser discutido de outra forma”, diz ele. “No teatro, um ator não pode morrer em cena. Porque a morte verdadeira é outra. A gente representa e a representação é, às vezes, mais forte do que a verdade propriamente dita.”

Beatriz Sayad é única brasileira

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Única brasileira em La Verità, Beatriz Sayad é antiga parceira de Daniele Finzi Pasca. Durante oito anos esteve envolvida com o Teatro Sunil – outro projeto do diretor. Em 2010, participou da turnê mundial de Donka. No Brasil, atuou com Os Doutores da Alegria e dirigiu o espetáculo Estamira – Beira do Mundo. A turnê com La Verità deve se estender por cerca de dois anos. O grupo começou as apresentações em janeiro, no Canadá. Depois de passar pela América do Sul, partirá para a Europa.

Preste Atenção

1. No painel. A obra, que esteve desaparecida por anos, foi restaurada e pode ser observada diversas vezes ao longo do espetáculo. As figuras, que representam Tristão e Isolda, são sexualmente ambíguas2. Nos atores. Mesmo procedentes de vários países, eles falam português durante a apresentação 3. Nas imagens. O diretor evoca a obra de Dalí trazendo elementos como cabeças de rinocerontes

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LA VERITÀTeatro Bradesco. Rua Turiassu, 2.100, Shopping Bourbon. 5ª a dom., 21 h. R$ 30/ R$ 200. Até 25/8. www.ingressorapido.com.br

A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA PRODUÇÃO.

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