'Expedição Langsdorff' mostra o Brasil do século 19

No CCBB, aventura de três artistas e um cartógrafo para desvendar nossa fauna, flora, geografia e costumes

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Por Marina Vaz
Atualização:

Hercules Florence: Vista de Santarém sobre o Rio Tapajós. Pará, 1828. Foto: Reprodução

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SÃO PAULO - Entre 1821 e 1829, o rei D. João VI abandonou o Brasil, D. Pedro I assumiu o posto de regente e o país proclamou a sua independência de Portugal. Foi nesse período conturbado que uma expedição com artistas e cientistas liderados por Georg Heinrich von Langsdorff se aventurou por 17 mil km do território nacional. Quando o país ainda era praticamente uma gigantesca floresta.

 

 

 

Cerca de 120 aquarelas e desenhos e 36 mapas foram produzidos durante a viagem. Eles estão na mostra Expedição Langsdorff, que será aberta na terça, 23, no Centro Cultural Banco do Brasil. A maior parte das obras é inédita no país. Elas são assinadas por Johann Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence e pelo cartógrafo Nester Rubtsov.

A expedição percorreu, em geral por rios, as províncias do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de São Paulo, do Mato Grosso, do Amazonas e do Pará. No caminho, os cerca de 40 integrantes se sujeitavam aos perigos de um território ainda pouco explorado. Taunay, por exemplo, morreu afogado e o próprio Langsdorff contraiu uma doença desconhecida que o fez enlouquecer. Nas próximas páginas, você acompanha o percurso desses aventureiros pelo interior do Brasil. Sem correr nenhum risco.

 

Quem foi Langsdorff

O alemão Georg Heinrich von Langsdorff (1774- 1852) formou-se em Medicina e frequentava sociedades científicas europeias. Em 1802, integrou uma expedição de volta ao mundo, sob comando de Adam Johann von Krusenstern. Naturalizado russo, Langsdorff foi nomeado pelo czar Alexandre I, em 1813, cônsul-geral no Rio de Janeiro. Lá, ele começou a idealizar uma viagem científica pelo interior do Brasil.

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O cartógrafo Nester Rubtsov

O russo Nester Rubtsov (1799-1874) foi recomendado a Langsdorff por um amigo - o navegador Vassíli Golovnine - e chegou ao Brasil em 1822. Graduado pela Escola de Navegação da Frota do Báltico, ele ficou responsável pelas observações astronômicas e pela confecção de mapas e plantas. Um de seus instrumentos era o sextante, usado para estimar a altura dos astros e orientar a navegação. Na mostra, você vai ver uma peça do século 19, semelhante à que ele usava e 36 mapas e plantas feitas por ele durante a viagem, como a que retrata o Porto de Santos. Mesmo com recursos simples seus trabalhos têm uma exatidão impressionante, chegando a 95% de acerto.

 

Rugendas

O alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) cursou a Academia de Belas-Artes de Munique e, com apenas 18 anos, tornou-se o primeiro artista a ingressar na expedição. No Rio de Janeiro, registrou cenas de seu contato com escravos, paisagens como o Corcovado e espécies como o sagui-da-serra.

Em 1824, Rugendas partiu com a expedição para Minas Gerais. Lá, ele registrou paisagens de cidades como Ouro Preto, e fez retratos de índios maxakali. Mas o temperamento forte do jovem desenhista gerou conflitos com Langsdorff - ele se intrometia nos assuntos do líder e duvidava de sua honestidade. No mesmo ano, Rugendas foi expulso. Ao sair, violou o contrato e levou consigo 500 desenhos (já pagos).

 

Taunay

Depois de passar por terras mineiras, a expedição seguiu para São Paulo. Para substituir Rugendas, Langsdorff contratou, em 1825, o francês Aimé-Adrien Taunay (1803-1828). Filho do pintor Nicolas Antoine Taunay (da Missão Artística Francesa) e tio do influente Visconde de Taunay, ele registrou o curso do Rio Cubatão, as vestimentas das mulheres paulistas e cenas da vida de homens ricos.

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Florence

O francês Hercule Florence(1804-1879) chegou ao Brasil com 20 anos e se candidatou, em 1825, ao cargo de segundo-desenhista da expedição rumo a São Paulo. Considerado o inventor da fotografia (por estudos feitos em 1833, anos antes de Daguerre), seus desenhos são realistas, resultado do uso da câmara-escura.

 

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Morte de Taunay

Em outubro de 1827, depois de se fixar em Cuiabá por quase um ano, a expedição se divide a pedido de Lagsdorff. Taunay parte rumo ao Rio Amazonas com um grupo liderado pelo botânico Ludwig Riedel. Poucos meses depois, Taunay, ansioso, tenta atravessar o Rio Guaporé sozinho, montado em um cavalo. O animal se desequilibra a cai na água. O artista é mordido por peixes e morre afogado.

Após a morte de Taunay, Florence se destaca como principal desenhista da expedição. No Mato Grosso ele se dedica a retratos de negros e de índios que habitavam as regiões de Diamantino, como os apiaká. Em 1928, Florence retratou principalmente índios manduruku das partes baixas do Rio Tapajós.

 

Encontro no Rio

Enquanto a frente comandada por Riedel desbravava o Amazonas, Langsdorff seguia com seu grupo pelo interior do Pará. Em 1828, Florence retratou principalmente índios manduruku (abaixo), que vivem nas partes baixas do Rio Tapajós. As duas frentes se encontraram em Belém, de onde voltaram para o Rio de Janeiro, de navio.

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O fim de Langsdorff

Nos últimos anos da expedição, Langsdorff foi acometido por uma doença desconhecida, que causava surtos passageiros, durante os quais ele perdia a noção de tempo e espaço.

 

 

Entrevista com Boris Komissarov, organizador da exposição

Há mais de 30 anos, o russo Boris Komissarov, de 70 anos, professor da Universidade de São Petersburgo, ocupa-se dos estudos do acervo da Expedição Langsdorff. Abaixo, ele fala sobre a figura a quem dedicou tantos anos de sua vida.

O início - "Langsdorff não planejava organizar uma expedição tão grande porque a situação no Brasil era muito difícil, por conta do movimento pela Independência. No início, ele se concentrou em estudos próximos à sua Fazenda Mandioca, no Rio"

 

A ajuda russa -"A Rússia investiu uma quantia alta na Expedição Langsdorff - 330 mil rublos. Na época, o orçamento de gastos do país inteiro, para um ano todo, era de 363 milhões de rublos."

 

A relação com pintores - "Na época, não existia fotografia e o papel do pintor era importante para o registro de tudo. Mas eles não eram pessoas ‘da ciência’, o que dificultava essa relação. Acho que Florence inventou a fotografia pensando na dificuldade que Langsdorff tinha com pintores típicos. (Risos.)"

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CCBB. R. Álvares Penteado, 112, Centro, 3113-3651. 10h/20h (fecha 2ª). Abre 3ª (23). Grátis. Até 25/4.

 

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