24 de abril de 2010 | 00h00
Não parava em pé.
Não tinha qualidade
de vida bibliográfica
porque faltava
segundo o ditado
o prumo e o peso.
Sua capa retratava
as cores com as quais
o autor se vestia:
branco da camisa
calça cinza
cinto e sapatos pretos.
Era também como ele
sentia e experimentava
a existência:
contraste radical
com nuança única
sóbria, sem variação.
A mão paterna o encadernou
em pelica impecável:
para proteger do tempo
que rasga e apaga
o volume frágil
de lombada magra.
Com enxerto extra de folhas
fingidas, falsas, em branco
para encher o corpo no palco.
Para parar em pé.
Biblioteca duvidosa
O escritório de livros estourados
pelo tempo da traça e da leitura
pelas estantes que os regurgitam
ou que os engolem, crus, sem abrir
retrata o que vai por dentro
da cabeça do escritor, entre ler, reler
interromper, não ler, esquecer, perder.
Mas arrumá-los a metro, bibliotecaria-
mente, com todas as lombadas certas
por assunto, sabor e peripécia
desfazendo as pilhas de autores sortidos
o retrato do que vai por dentro
do escritório e do escritor
não seria vazio, de faz de conta, findo?
Preso
Não me livro, quando em livro
largo o que escrevi, escuro
no branco inesquecível do papel.
Acumulo, guardo o jogo repetitivo
e indigesto na mão, mas não descarto
o resto que não se resolveu.
Peso morto, inútil, no entanto
substantivo, sujo, subjetivo.
Livros
Se nunca houve tempo
para ler todos, terei tempo
para ler os que preciso?
Só Borges leu todos
sabendo os que precisava
pressionado pela cegueira.
Não tenho essa urgência
nem o engenho do outro, do espelho
ou o belo perigo do tigre.
Por isso, eles transbordam
pelas estantes, oferecidos
para o cego desde sempre.
Por isso, é que não consigo
arrumá-los, ou se os arrumasse
os arrumaria como na morte.
Também não tenho o gênio
para dizer que tudo vai
acabar num livro.
Só sei que tudo não acabará
num livro, e sim que tudo
vai acabar comigo.
Doméstico
Na casa de solteiro
nas casas de casado
nunca vi ninguém
nunca vi alguém
lendo livro meu.
Livro de cabeceira
livro na cabeceira
mas não livro seguro
aberto com duas mãos
lido por dois olhos.
Livro sempre fechado
em copas, entre capas
livro entre leituras
suas velhas folhas
sempre novas em folha.
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