PUBLICIDADE

Excluídos medievais estão em "Liber Buffus"

Inspirada na Bíblia do Peregrino, peça do grupo Teatro da Blasfêmia entra em cartaz nesta terça no Centro Cultural São Paulo fazendo uma versão bufa da peregrinação religiosa pelo caminho de Santiago de Compostela

Por Agencia Estado
Atualização:

O profano e o sagrado sempre disputaram a atenção do público no teatro da Idade Média. No interior ou no pátio das igrejas, representações religiosas. Nas feiras e praças de pequenas cidades muradas, bufões, acrobatas, anões, toda uma horda de excluídos mostrava sua arte satírica, obscena ou escatológica. Nas grandes festas, não raro o sagrado e o profano se integravam num único espetáculo, reforço bem-vindo ao maniqueísmo religioso nesse contraste entre Deus e o Diabo. Essa interessante mescla inspira o espetáculo Liber Buffus, do grupo Teatro da Blasfêmia, dirigido por Moira Malzoni, que estréia nesta terça-feira no Centro Cultural São Paulo. O elenco formado por Gisela Faria, Sueli Andrade, Cléber Laguna e Márcia Fernandes interpreta quatro bufões que decidem peregrinar pelo caminho de Santiago de Compostela. Nada a ver com Paulo Coelho. O dramaturgo Paulo Rogério Lopes inspirou-se na Bíblia do Peregrino, composta de cinco livros. Criada em 1125 pelo papa Calixto, o Códex tinha como objetivo valorizar o caminho de Santiago como rota de peregrinação, uma vez que Jerusalém estava em poder dos mouros. "Foi a primeira grande jogada de marketing da história", brinca Lopes. O papa na verdade reinventou uma lenda pouco conhecida sobre como o corpo de Santiago havia chegado em Compostela. Uma narrativa mesclada por uma minuciosa descrição de milagres e efeitos que fariam inveja ao cineasta Spielberg. "O papa estimulou a criação de albergues em pontos-chave do caminho e ainda garantiu aos peregrinos o perdão de seus pecados." Mais que isso. "Criminosos poderiam permutar suas penas pela peregrinação." Obviamente, o caminho foi tomado pelo comércio da fé, falsos milagres, toda sorte de corrupção. "Com a permissão do papa foi oficializada a categoria de peregrino profissional, que cumpria pena por outros em troca de dinheiro" conta Lopes. Enquadra-se nessa categoria um dos bufões de Liber Buffus, peça que refaz esse caminho de forma divertida. "Nenhum dos bufões desse espetáculo é mítico ou religioso", explica a diretora. "São excluídos da sociedade daquela época, que embarcam na aventura por motivos diversos." A idéia inicial da diretora era explorar no palco não só a linguagem gestual dos bufões, mas também o espírito sacrílego e blasfemo dessa gente obrigada a viver fora dos muros das cidades. Como não encontrasse um texto adequado, pediu a colaboração de Lopes, que sugeriu a versão bufa da peregrinação religiosa. "Apesar de toda a pesquisa realizada para a criação do espetáculo, o tom é de uma grande brincadeira, bastante blasfema", afirma Moira. "Embora não façamos nenhuma espécie de atualização no palco, a idéia é usar essa linguagem para falar dos excluídos de hoje", argumenta. A linguagem fabular está mantida no palco, o público faz suas atualizações. Liber Buffus - Comédia. Direção Moira Malzoni. Dramaturgia: Paulo Rogério Lopes. Duração: 60 minutos. Terça a quinta, às 21h30. R$ 10,00. Centro Cultural São Paulo - Sala Paulo Emílio Salles Gomes. Rua Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611. Até 9/11.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.