PUBLICIDADE

Evento fecha Maria Antônia para lembrar censura

Palco de conflitos estudantis em 1968, rua será bloqueada para dar lugar a uma série de eventos gratuitos. Ato cultural marca o lançamento de A Revista, acompanhada de um fac-símile de Os Lusíadas que evoca a censura sofrida pelo Estado durante o regime militar

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma ocupação pacífica e democrática vai acontecer na manhã de domingo na Rua Maria Antônia, na região central de São Paulo - a partir das 11 horas, a rua onde estudantes do Mackenzie e da USP entraram em conflito em 1968, quando uma pessoa morreu e quatro foram feridas à bala, vai abrigar um ato cultural: o lançamento da sétima edição de A Revista, publicação bimestral do Grupo Takano. Junto com o novo número, será lançado um fac-símile da primeira edição de Os Lusíadas, de Camões, datada de 1572. Um trecho da Maria Antônia ficará bloqueado até as 17 horas entre as ruas Dr. Vila Nova e Itambé para servir como palco para uma série de eventos gratuitos: a presença dos Corais Infanto-Juvenil e Juvenil Mackenzie, do Trio de Flautas e do coral da mesma instituição, além do Quinteto de Sopros da Orquestra de Câmara da USP, do Coralusp e da Orquestra Sinfônica também da USP. O local não foi escolhido aleatoriamente - no início de outubro de 68, alunos da Faculdade de Filosofia da USP, onde predominavam as idéias de esquerda, confrontaram-se com os da Universidade Mackenzie, tida como reduto da direita. As agressões, iniciadas no dia 2, envolveram tiros, rojões e coquetéis molotov. No dia 3, um tiro disparado às 15 horas dos telhados do Mackenzie matou José Guimarães, de 20 anos. A exibição de seu corpo pelos estudantes da Filosofia provocou uma violenta passeata. No dia seguinte, um enterro simbólico improvisado pelos colegas de Guimarães, com 10 mil pessoas, foi reprimido pela polícia. No final do ano, a radicalização dos protestos dos jovens no País forneceu argumentos para que o regime militar decretasse o Ato Institucional n.º 5, iniciando um período de repressão política. A nova edição de A Revista, acompanhada do fac-símile de Os Lusíadas, evoca esse momento decisivo da democracia brasileira. A revista homenageia Sérgio Buarque de Holanda, cujo centenário de nascimento foi comemorado em julho. Relembra ainda os acontecimentos sombrios daquele ano de 1968, com uma matéria sobre o congresso da UNE que terminou com a prisão de vários estudantes. Todas as sessões de A Revista reconstituem a ação da censura depois que foi decretado o AI-5. Já a edição fac-similar da obra de Camões representa uma pequena obra. O trabalho foi realizado a partir de um exemplar pertencente à coleção do bibliófilo José Mindlin e a decisão de inclui-lo com a edição de A Revista que trata do início da fase aguda período militar não é gratuita: foram os versos de Os Lusíadas que alertaram os leitores do jornal O Estado de S. Paulo sobre a ação da censura na redação do jornal. Ao contrário de outros órgãos de imprensa, o Estado negou-se a praticar a auto-censura, como impunha o governo militar, o que resultou na presença diária de um censor na redação do jornal. Assim, as matérias vetadas não eram simplesmente substituídas por outras, mas por versos, notadamente os de Camões, o que servia como um sinal da violência sofrida pelo jornal. A edição fac-similar oferece a mesma sensação de estranheza sofrida pelos leitores que abriram as páginas do Estado entre junho de 1973 e janeiro de 1975, período em que vigorou a censura: ao folhear a edição, o leitor vai perceber, no lugar de alguns cantos de Camões, o surgimento inesperado da reprodução de uma matéria que deveria ter sido publicada no jornal. Ou seja, o fac-símile apresenta o processo inverso da censura imposta ao Estado. Os Lusíadas vem acompanhado de um libreto com textos de José Mindlin, Arnaldo Jabor, e a reprodução de dois artigos censurados de Julio de Mesquita Neto, diretor de redação do Estado entre 1969 e 1996. Ainda um texto que reconstitui a convivência dos jornalistas com os censores da ditatura e uma entrevista a Regina Echeverria de Ruy Mesquita, atual diretor de redação do Estado. O pacote inclui ainda um DVD com imagens pouco conhecidas da repressão praticada em 1968, que serão reproduzidas em um telão em frente ao Centro Universitário Mariantonia. Na ocasião, A Revista será excepcionalmente vendida e a renda será revertida para a restauração dos edifícios do centro universitário.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.