Eu, robô

Karl Bartos, ex-Kraftwerk, fala sobre seu novo disco com exclusividade

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Por Roberto Nascimento
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Uma voz meticulosa atende o telefone e pronuncia o nome do entrevistado com dicção perfeita. A clareza é indiscutível. Parece ter sido gravada por uma máquina, a versão 2013 de um daqueles softwares que falam qualquer coisa que digitamos. "Aqui é Karl Bartos", ouve-se do outro lado da linha, antes de meia hora de respostas extremamente educadas, perfeitas. "Ele acha que virou robô", supõe o repórter, sorrindo para o humor surreal da ideia. De fato, por mais de 15 anos, Karl Bartos viveu na condição de computador ambulante. Entre 1975 e 1991, foi um dos quatro membros do Kraftwerk, os Beatles da música eletrônica. Compôs e gravou para quatro discos do grupo, entre eles as obras-primas Trans-Europe Express (1977), The Man-Machine (1978) e Computer World (1981). Os deixou quando percebeu que o grupo havia tornado-se uma peça de museu. "Não é fácil ser um robô", desabafa. "Depois de um certo tempo, ninguém o enxerga como uma pessoa normal." Fica claro, ao ouvir o músico falar de seu novo disco, Off the Record, o segundo álbum solo desde que saiu da banda, que o legado cibernético o persegue. Na faixa Without a Trace of Emotion, do novo disco, ele imagina uma conversa com um manequim (baseado no conceito da música Showroom Dummies, do Trans-Europe Express). O boneco é um tanto possesivo, e canta: "Todo santo dia estou aqui, para que você saiba que, não importa o que aconteça, eu não vou largar de você".Este diálogo entre homem e boneco serve de metáfora para o trabalho inteiro, feito de composições engavetadas por Karl, em seu tempo de homem-robô, e retocadas nos últimos anos. "Günter Shickert, da bureau b, me perguntou se eu tinha guardado alguns takes de coisas que fazíamos antigamente. Em princípio, a ideia era lançá-los pela ciência, como arqueologia", conta. Karl transferiu todas as empoeiradas fitas demo que tinha para o seu computador. "Quando me dei conta, a sequência das músicas formava um diário acústico. Quando comecei a trabalhar nelas, percebi que era fácil reconstruí-las, recortando uma linha de graves de 1977, colando uma melodia de 1981", explica. Fez-se uma readaptação do material produzido por Karl para ser usado nas gravações do Kraftwerk, o que fica nítido no som de eletrônica vintage que predomina em Off the Record. São como takes alternativos do Kraftwerk retocados três décadas após o fato. Não são atuais, mas tampouco são relíquias, embora seja impossível não pensar na banda ao ouvir os primeiros segundos de Atomium, que abre o disco. Ao falar sobre as críticas que comparam o novo trabalho aos discos do Kraftwerk, o músico mostra-se incomodado com a falta de discernimento. "Eu não sou o Kraftwerk. Não posso ser Karl Bartos e o Kraftwerk. Esse disco é o som de gravações preliminares, demos, que foram aprimoradas. Houve uma época muito boa, em que estávamos juntos, e acho que acertamos em algumas coisas. Mas esse tempo acabou", diz ele ainda. Entre outros detalhes, o músico conta que o processo de composição da banda era misturado. Todos do line-up clássico - Florian Schneider, Ralf Hütter, Henning Schmitz - contribuíam. E seja Kraftwerk ou Bartos, se é que os dois são separáveis, Off the Record é, no mínimo, um belo registro histórico. Entre os destaques, as descrições do processo criativo feitas por Karl no encarte. O músico foi professor da universidade de artes de Berlim por cinco anos, e acostumado a pedir textos sobre as abordagens de seus alunos, resolveu fazê-los para o disco. Entre as curiosidades, o fato de que grava enquanto assiste TV. "Gosto muito de saber o que se passa na cabeça dos artistas. Por exemplo, como Paul McCartney viu Dylan tocar com uma banda de metais, em Londres, e no dia seguinte escreveu Yellow Submarine, inspirado pela apresentação", diz.

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