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Estudo aponta os novos centros da arte no mundo

São Paulo é a única representante latina, mas enfrenta o desafio de melhorar sua infraestrutura

Por MARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo
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Quais são as capitais culturais do mundo? A resposta correta inclui escolhas óbvias. Nenhuma cidade tem tantos cinemas quanto Paris. Ninguém possui tantos museus quanto Londres. E Nova York continua imbatível quando se trata de teatro. Os dados estão no World Cities Culture Report. Maior estudo do gênero já publicado, o relatório confirma o protagonismo dos grandes centros. Insinua, porém, que essa história começa a ganhar novos e importantes personagens. Se na economia o poder está mudando de mãos, na área cultural a tônica também não é diferente. A pesquisa elege 12 cidades em todos os continentes e torna evidente que as potências da cultura e da arte não estão mais apenas nos Estados Unidos e na Europa. Além das onipresentes Londres, Paris, Berlim e Nova York, aparecem na lista Tóquio, Istambul, Johannesburgo, Xangai, Sydney, Cingapura, Mumbai e São Paulo. A capital paulista é a única representante da América Latina nesse panorama. "As cidades emergentes estão inventando um perfil cultural próprio, que não é o mesmo das cidades europeias e americanas", diz Paul Owens, diretor da BOP Consulting, empresa britânica de consultoria que realizou a pesquisa. Encomendado pela prefeitura de Londres e divulgado em agosto, o estudo mede 60 indicativos nas áreas de literatura, cinema, artes visuais, artes do espetáculo e em setores novos, como o de games. Com os dados aferidos em mãos, é possível traçar uma infinidade de rankings. Mas os organizadores frisam que não é essa a intenção. Não se trata de saber quem detém os números mais robustos ou exerce maior influência no universo das artes. "As cidades sempre investiram em cultura por razões de prestígio, para mostrar poder político ou sucesso econômico. Esse era o modelo de desenvolvimento próprio das cidades americanas e europeias no século 19", apontou Owens em entrevista ao Estado. Hoje, os investimentos em arte não são para exibir pujança econômica. Mas para gerá-la. Essa não é uma ideia nova. Ganhou força no fim do século 20. A atual pesquisa, entretanto, expande e confirma a impressão. Mostra resultados consistentes em cidades como Londres, onde o setor movimenta £ 12 bilhões e emprega 386 mil pessoas. Também deixa no ar a impressão de que, apesar do potencial, São Paulo ainda tem muito a fazer. "Ao se ver essas questões sob o ângulo restrito apenas ao da cultura, está se perdendo a chance de perceber o impacto que isso pode ter em uma economia do tamanho da cidade de São Paulo", aponta a economista Lidia Goldenstein, especializada em economia criativa. "É a política industrial deste século. O setor mais importante na geração de emprego e renda na sociedade moderna. Estamos muito atrasados na compreensão do que esses setores da economia criativa representam no mundo hoje. Aqui, isso ainda é visto como algo circunscrito à cultura ou às políticas de inclusão social. Muito diferente dos países que estão levando a sério, entre eles a Inglaterra e a China, que colocou o tema no seu plano quinquenal. Esse é um tema de campanha, era o que devia estar sendo discutido, porque é isso que vai definir o futuro da cidade." Mesmo entre representantes do setor público, reconhece-se a timidez do setor. "A cultura ainda não entrou na agenda política", acredita o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que completará oito anos no cargo. "Aqui, a área ocupa um lugar tão inexpressivo que não é levada em conta nas propostas de planejamento. O que foi feito na Colômbia, com a criação de grandes bibliotecas, ou na Venezuela, que tem um projeto musical de nível internacional, só aconteceu porque se tratava de um projeto de governo e não apenas dos órgãos da cultura." Mesmo sem receber os incentivos devidos, São Paulo tem alguns dados surpreendentes a exibir. Conta, por exemplo, com 869 livrarias, número de lojas superior ao de Londres, que tem 802, ou Nova York, com 750. Outra surpresa: seus cinemas recebem cerca de 50 milhões de espectadores, deixando centros como Tóquio, Londres, Berlim e Cingapura para trás. Os resultados, porém, não são da mesma magnitude quando se trata de infraestrutura. E dão a impressão de que não temos espaços suficientemente equipados para dar conta nem da demanda nem da oferta de atividades culturais. Mesmo com tanto público nos cinemas, só existem 282 telas na cidade. Patamar bastante inferior não apenas ao dos grandes centros europeus, mas abaixo também de metrópoles emergentes, como Johannesburgo, com 368, e Xangai, com 670. Com apenas uma biblioteca para cada 100 mil habitantes, só não perdemos para Mumbai, Cingapura e Istambul. Já no caso dos teatros, a situação não melhora muito. Com 116 salas, ficamos bem atrás de cidades como Paris, com 353. "A maioria das cidades tem planos ambiciosos de desenvolver sua infraestrutura cultural, sem saber como garantir que essas facilidades atraiam as suas populações", acredita Paul Owens. "A impressão é de que São Paulo enfrenta o problema exatamente oposto. Muita demanda e oferta insuficiente. Será que essa não é uma situação que outras cidades deveriam invejar?" Pode até ser. "Existe uma imensa demanda reprimida", aponta o secretário de Cultura. "Cada novo mínimo acréscimo é absorvido, cada mesa que colocamos a mais em uma biblioteca é imediatamente ocupada. É justamente a existência dessa demanda que nos alimenta." Se existe um imenso público ávido por consumir cultura, também não falta uma parcela considerável que ambiciona criar. "O interessante é que, em São Paulo, a infraestrutura da cultura não está em todos os lugares. Mas a criação pode ser vista por toda parte. O grafite, por exemplo, é uma forma de arte que acontece de maneira informal, mas está se tornando cada vez mais e mais importante", acredita Matthieu Prin, um dos pesquisadores da BOP Consulting que participou do estudo. Tudo isso não quer dizer, ele ressalva, que se possa prescindir de questões estruturais. "Infraestrutura é o meio de expor essa criatividade. Se ela não existe, as pessoas terão que achar outras formas de exibir seu potencial. Mas isso não significa que criatividade seja mais importante do que a estrutura." Para a economista Lidia Goldenstein, não bastasse ser imenso, o problema exige uma visão que concilie a tradição e as inovações. "A gente ficou 30 anos sem investir em estrutura. Agora, não dá para só correr atrás do prejuízo sem investir no novo. O mundo não espera. O nosso problema é que temos que investir na estrutura do velho paradigma: sala de teatro convencional, sala de cinema. E a gente também tem que construir a infraestrutura do novo paradigma, que é banda larga." O peso econômico dos setores criativos já seria argumento mais do que suficiente para justificar mais investimentos e políticas. "O setor 'videogames e efeitos especiais' representa para o século 21 o que a indústria automobilística foi para o século 20", lembra Lidia. Nas metrópoles, contudo, cultura e arte podem desempenhar ainda um outro papel. "A dimensão não material da cultura parece ser mais forte a cada dia. E se torna particularmente importante se considerarmos os imensos desafios sociais que essas grandes cidades enfrentam", observa Paul Owens. Obviamente, a cultura não pode ser vista como a panaceia para todos os problemas sociais, lembra Matthieu Prin. "Não é uma solução mágica. Não acaba com a pobreza. Tem que estar aliada a outros projetos." Mas, nos países da América do Sul, ela pode ter uma dupla utilidade: extrapola a propalada capacidade de revitalizar áreas degradadas (expediente usado em ampla escala na Europa). Pode tornar-se um importante mecanismo em regiões que não chegaram sequer a ser urbanizadas. "Se você anda pela periferia, fica muito claro como a cultura é uma proposta de urbanização", afirma Calil. "A maior necessidade das pessoas em uma cidade maltratada como a nossa, em que não existem praças ou parques, é por espaços em que possam conviver, estar juntas. Tenho convicção de que aqui esse é o maior papel que a cultura pode cumprir."

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