Estréia do escritor Igor Galante é saudada por dois mestres

Moacyr Scliar e Menalton Braff elogiam o paulista, que apresenta ´Violências´

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Por Redação
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Os escritores Moacyr Scliar e Menalton Braff recomendam prestar atenção na carreira do paulista Igor Galante. Seu primeiro livro, Violências, justifica essa aposta no autor, nascido há 28 anos em Andradina e jornalista em São José do Rio Preto. Galante estréia com um pequeno livro de seis contos e 64 páginas, mas o primeiro deles alimenta a suspeita de que poderia ser o esboço de um romance, intenção confirmada por Galante na entrevista concedida ao Estado sobre Violências (volume da coleção Rocinante, da Editora 7 Letras). A violência, em Galante, está além do documental e não reforça a mitologia de ser ligada às classes menos favorecidas. Pode ser física, explícita, como no último conto do livro, ou conseqüência da incomunicabilidade, como no conto O Reencontro. O primeiro conto do livro traz ecos formais e temáticos de Raduan Nassar, especialmente a questão da difícil relação interpessoal entre diferentes gerações. Qual a relação que você tem com sua literatura? Sempre me despertaram admiração autores que não precisaram mais do que dois livros para definir a importância de sua obra na história da literatura, como Raduan Nassar e Juan Rulfo, que eu também cito como referência. Conheci Nassar por meio daquele conto Aí pelas Três da Tarde e foi um choque, porque há ali um exercício fantástico de concisão, impacto e fúria, elementos que serviriam ao propósito, veja só, de meu último conto. Já O Velho e o Menino, o primeiro da coletânea, pode ter sua atmosfera associada à de Lavoura Arcaica, mas confesso que não me lembrei do romance na hora de escrever o conto. Minha formação literária foi construída até agora levando em conta um único e traiçoeiro critério: o prazer. Por enquanto, minhas referências não fogem muito do óbvio: Carlos Drummond de Andrade, Ivan Ângelo, García Márquez, Mário Puzo; na poesia, Manoel de Barros, Carpinejar. Em Duas Amigas você faz, indiretamente, uma crítica ao hedonismo de duas jovens de sua faixa etária, vítimas da própria violência que provocam ao humilhar um garçom. Atos como esse de espancamento de mulheres por jovens de classe média são cada vez mais comuns. Como você analisa esse fenômeno? A inspiração para Duas Amigas veio após a leitura de Cipó Torto, livro que narra uma história real de tragédia e vingança ocorrida aqui na região há pelo menos 80 anos. Nesse livro há uma passagem em que o autor descreve uma cena de estupro, assustadora a ponto de rivalizar, no cinema, com a cena de Monica Bellucci em Irreversível, do Gaspar Noé. Como a idéia para a coletânea era tratar da violência sob diferentes aspectos, considerei o estupro como o ponto extremo de um tipo de violência física que era importante também para o livro. O clímax definiu a história. O resto foi preparação. Classifico Laura e Annabella como duas Lolitas modernas. Não pensei em fazer crítica ao hedonismo, mas a esse gesto de desumanidade brutal. Essa semana tivemos o caso da empregada doméstica espancada no Rio de Janeiro por jovens de classe média que justificaram o ato alegando imaginar que se tratava de uma prostituta - como se isso automaticamente os autorizasse a fazer o que fizeram. Geralmente esses casos ocorrem em um instante de imbecilidade, mas que já evidencia a falta de algum valor moral, e nesse sentido não tem como não pensar que houve erro por parte dos pais. Menalton Braff , a respeito do conto Duas Amigas, destaca o recurso da interlocução em que você envolve o leitor na história ao usar a expressão "e ai de você se as julgar". Essa advertência mais parece uma acusação, tornando o leitor cúmplice da violência. Você acredita que somos incapazes de nos julgar como brasileiros, criados sem respeitar os limites entre público e privado? Uma das coisas que mais me encantam desde a adolescência, em Machado de Assis, é quando ele fala diretamente comigo, por meio da interlocução. Defendo a liberdade de expressão e, no caso de Duas Amigas, era importante mostrar que o narrador estava do lado das personagens, de sua conduta sexual, despertando no leitor o mesmo sentimento de afeição, fundamental para o confronto dramático que se desenvolve no clímax. A linha que define o público do privado hoje é tão tênue que é até difícil definir o que é público e o que é privado, porque somos um povo historicamente habituado a incorporar a ideologia do outro, a aceitar com resignação o que o mundo produz de ruim. Contos, de modo geral, marcam a estréia de autores que, de uma maneira ou de outra, aspiram a escrever romances. O caso de O Velho e o Menino é exemplar. Ele parece nascido para ter maior fôlego. Por que você escolheu a síntese? Você matou a charada. O Velho e o Menino, e também O Reencontro, nasceram como esboço de romance. O início de O Reencontro até presta uma homenagem à construção das primeiras linhas de Cem Anos de Solidão. No caso de O Velho e o Menino, trabalho com uma narrativa que é propositadamente lenta em seu início, como contraponto ao último conto. Foi um desafio, ao mesmo tempo um exercício, reverter uma estrutura já cimentada para uma história de grande fôlego, como você diz, para a síntese que pede o conto. Não me vejo pronto para o romance. Ainda é o momento de conhecer, experimentar, aprender com a linguagem, testar narrativas, no tiro curto do conto, essa forma literária que eu não pretendo abandonar tão cedo.

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