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Estréia a "Gota D´Água" de Gabriel Villela

Adaptação brasileira da tragédia grega Medéia, de Eurípides, encerra o projeto do diretor de reencenar os musicais de Chico Buarque

Por Agencia Estado
Atualização:

Um espetáculo de ríspida poesia e amargurada revolta marca a terceira e última montagem dos musicais de Chico Buarque de Holanda sob a direção de Gabriel Villela. Gota d´Água, que estréia nesta sexta-feira, na Tom Brasil, consolida um projeto iniciado com Ópera do Malandro e seguido por Os Saltimbancos. Agora, a tragédia brasileira escrita por Chico em parceria com Paulo Pontes oferece a Villela a chance de revelar sua indignidade social. "Se na Ópera apresentamos o fortalecimento do casamento, com o Gota mostramos a ruptura da união que é, por extensão, a desconstrução do poder", comenta o diretor. "A nossa montagem tem o sabor da tragédia grega misturada com o melodrama brasileiro." Em Gota d´Água, musical escrito em 1975, Chico Buarque e Paulo Pontes conseguiram a façanha de transpor uma tragédia grega (Medéia, de Eurípides, escrita no século 5 a.C.) para um contexto brasileiro, mais especificamente para a Vila do Meio-Dia, um conjunto residencial proletário do Rio, na década de 70. Joana, a Medéia brasileira, é abandonada por Jasão, amante mais novo e com quem tivera dois filhos. Autor do samba Gota d´Água, que alcançou grande sucesso, Jasão pretende se casar com Alma, filha de Creonte, proprietário do conjunto residencial e principal explorador daquela população oprimida. Sem conseguir recuperar seu homem, Joana, encurralada pela injustiça social, acaba expulsa por Creonte da Vila do Meio-Dia, junto dos dois filhos. Como também não consegue executar um plano de vingança (envenenar Alma no dia do casamento), ela acaba envenenando os filhos e a si mesma. "Os versos do Chico e de Pontes representam uma metáfora da indignação em nosso país, onde hoje os bandidos têm cara definida", comenta Villela, que personifica em Creonte o político corrupto, cínico, que se utiliza do cargo público em benefício próprio. "Já Joana seria a representante do submundo, que busca a justiça por meio da mobilização dos moradores da Vila do Meio-Dia e, por ser uma macumbeira, sacrifica os filhos em ritual, promovendo um estrago na vida de Jasão." O clima de indignação contagia todos os aspectos da produção. Como o cenário, idealizado por J.C. Serroni. No primeiro ato, 28 camas hospitalares empilhadas representam cenicamente o cortiço, por onde os moradores transitam. "Significam também um retrato da saúde dos brasileiros, pobres, doentes", observa Serroni, que instalou, atrás do conjunto de camas, uma rampa que leva à entrada de um palácio, cuja arquitetura tem os mesmos traços do Palácio do Planalto, em Brasília. Novamente, uma forte referência - cortiços e favelas construídos ao lado de edifícios imponentes, que representam o poder. No segundo ato, as camas continuam empilhadas, mas agora estão dispostas paralelamente à rampa: quem se lembrar do sambódromo não estará distante da idéia original. Por ali, Creonte e Jasão desfilam e ostentam sua riqueza. Ali também fica o povo, clamando por seus direitos, o que não é atendido pelo poder. "É como a indiferença do presidente Fernando Henrique aos problemas dos que o cercam", comenta Gabriel Villela. Os figurinos, concebidos pelo diretor e por Leopoldo Pacheco, também carregam uma forte carga referencial. Há uma mistura de elementos da moda urbana com roupas de grife, ou seja modelitos com carimbos famosos (Dora Karan, Armani, Dolce & Gabbana) misturam-se com meias-calças e saionas, confeccionadas com tecidos que Villela trouxe da Europa. Na mesma bagagem, o diretor trouxe máscaras moldadas em estuque. Dentre todas, chamam a atenção duas pequenas, que Joana carrega próximo ao peito: tratam-se dos dois filhos, que serão oferecidos em sacrifício, derradeiro ato de desespero da mulher. Para ressaltar as roupas e o cenário, Guilherme Bonfanti "desenhou" uma iluminação limpa, com toda a força do branco e seus matizes. "Como os tecidos são leves e transparentes, criei efeitos para distorcer e deformar cores e rostos", comenta Bonfanti, que se inspirou na iluminação dos cortiços do bairro do Bexiga. Seguindo a mesma linha de criação, a direção musical (organizada por Babaya, Ernani Maletta e Fernando Muzzi) procurou estabelecer uma relação da harmonia da música de Chico Buarque com a atmosfera de um coro grego e a tragédia de Eurípides. "A música popular ganha características de erudição, por meio da construção polifônica dos arranjos e da interpretação vocal dos atores", comenta Maletta. Acréscimos - Além das músicas previstas no texto original, como a canção-título e outras conhecidas (Bem-Querer, Flor da Idade), Villela decidiu incluir outras quatro composições de Chico Buarque: Deus lhe Pague, Valsa Rancho, Soneto e Noite dos Mascarados. Também o personagem Jasão circula no palco com um violão sem cordas, do qual tira algumas estrofes de Pedro Pedreiro e Trocando em Miúdos. "Tenho certeza que o Chico não vai se importar com esses acréscimos, pois contribuem muito para a concepção da nossa montagem", comenta o diretor. Finalmente, os atores. Gabriel Villela escalou novamente a Cia. de Repertório Musical do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), que mantém um elenco fixo de 22 atores contratados e que já encenou Ópera do Malandro e continua em cartaz com Os Saltimbancos. Para os papéis principais, convidou Cleide Queiroz e Jorge Emil, como Joana e Jasão. "São atores maravilhosos, que imprimem uma força única na representação", elogia o diretor. A montagem de Gota d´Água é a primeira parceria entre os empresários Marcos Tidemann, do TBC Produções, e Paulo Amorim, da Tom Brasil, que investiram R$ 1,1 milhão na produção. Assim, depois de cumprir um mês de temporada no Tom Brasil, a montagem seguirá para a maior sala do TBC. Gota d´Água. De Chico Buarque e Paulo Pontes. Direção Gabriel Villela. Duração: 120 minutos. Sexta, às 22 horas; sábado, às 22h30; domingo, às 20 horas. De R$ 25,00 a R$ 40,00. Tom Brasil. Rua das Olimpíadas, 66, tel. 3845-2326. Patrocínio: Grupo Schahin.

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