PUBLICIDADE

Estratégias de marketing fazem parte dos programas, diz pesquisadora

Por Agencia Estado
Atualização:

Erros de português, técnicas de indução e um marketing implícito nos discursos dos pastores são algumas das características comuns apontadas pela pesquisadora Maria Theresa Fraga Rocco, titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com relação aos programas evangélicos apresentados na TV aberta. A pedido da Agência Estado, a professora analisou alguns programas do gênero exibidos pela Record no último dia 16, domingo. A primeira característica levantada por Maria Theresa diz respeito às chamadas dos programas. "Nos comerciais, eles exibem dramatizações primárias, levantando todas as hipóteses do mundo-cão, como doenças, perda de alguém estimado, desemprego, uso de drogas, depressão, desilusão amorosa, adultério, falta de dinheiro, enfim, todas as possibilidades que poderiam estar afligindo uma pessoa. Depois disso, apresentam a solução, que é Jesus através da Igreja Universal do Reino de Deus", diz. As técnicas de marketing dominadas pelos pastores são outra forma de garantir o sucesso de programas desse tipo. "Os discursos são recheados de lugares comuns, mas ao mesmo tempo que usam uma forma de linguagem que os aproxima do telespectador, os pastores também não abrem mão do tom que dá idéia de algo longínqüo, portanto, vindo de Deus", traduz a pesquisadora. Maria Theresa explica que a preocupação em aproximar a igreja do público começa pelo nome do programa, como por exemplo, Fala que eu TE escuto (apresentado pelo bispo Clodomir Santos, de segunda à sexta) e Em que posso AJUDÁ-LO? (exibido aos sábados e domingos, sob o comando do bispo Antônio Bulhões). "A colocação dos pronomes tem esse objetivo de trazer o sofredor até o programa. Além disso, os bispos que apresentam falam de uma maneira empolada, com muitos erros de português e cometem um fenômeno de linguagem que chamamos de ´hiperurbanização´ ou ´super-correção´", aponta. A hiperurbanização, de acordo com a professora, é uma forma de se impor exagerando na maneira de falar, criando termos ou utilizando palavras de pouco uso. "Em uma das orações, o bispo dizia que Jesus tiraria a pessoa do tremedal de lama, ou seja, de um pantanal de lama. Há uma enxurrada de clichês que agradam o público. Estando ou não com problemas em sua vida, as pessoas acabam sentindo que os apresentadores falam diretamente para elas", salienta. "Já vi muitas pessoas repetindo coisas que se diz nesses programas, como aprendi a amarrar o devorador e em o nome de Jesus e por aí afora". Medicina em segundo plano - Um ponto preocupante levantado pela professora é a postura dos apresentadores/pastores diante de procedimentos médicos. "Eles dão diagnósticos em muitos casos. No Em Que Posso Ajudá-lo, um homem que se identificou como Maurício, da Vila Formosa, contou que tinha problemas com a bebida. Diante disso, o pastor Antônio Bulhões perguntou se o rapaz acreditava que Deus podia tirá-lo daquele desvio psicológico. Além de diagnosticar, algo que não seria função de um bispo, esse tipo de afirmação é uma maneira de induzir as pessoas a acreditar que gastar dinheiro em tratamentos médicos caros é um investimento inútil e que a cura só é obtida através daquelas orações", aponta. Oferecer alento aos telespectadores aflitos é um dos objetivos de programas como os exibidos pela Record, que também visam atrair mais fiéis para os templos da Igreja Universal. "Além de oferecer um ombro amigo, no programa O Despertar da Fé, exibido logo após o Em Que Posso Ajudá-lo?, o pastor convoca o público a desligar a TV e seguir para o templo da igreja mais próximo de sua casa, nos endereços que passam o tempo todo na tela", ressalta a professora, destacando que os pastores mencionam inclusive a colaboração do dízimo, "que pode ser feita a partir do primeiro culto da igreja, a partir das 5 horas da manhã". Linha de produção - Assim como os programas mantêm um estilo único, também seus apresentadores seguem um mesmo padrão, de acordo com Maria Theresa. "Os pastores que apresentam programas desse gênero parecem ter saído direto de uma linha de montagem", ressalta. "São todos muito parecidos, com características tipicamente brasileiras: são morenos, têm o mesmo corte de cabelo, usam os mesmos tipos de roupas e se portam da mesma maneira diante das câmeras", analisa Maria Theresa, lembrando que a igreja adotou um comportamento mais light desde o incidente em que um pastor da Universal chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida diante das câmeras de TV, há alguns anos. Mesmo diante da repercussão negativa ocorrida em virtude daquele fato, Maria Theresa lembra que a igreja de Edir Macedo conseguiu dar a volta por cima adotando uma estratégia de não criticar severamente outras religiões. "Nem se fala mais em diabo, só usam termos como o mal, o devorador. Não existem mais aqueles discursos rudes e com tons violentos que muitos pastores faziam, mas sim um esquema de marketing que garante audiência tanto nos programas da TV, quanto nos templos dessas igrejas", conclui.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.