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Espírito de Natal

Ninguém sabe o que diz, bêbado. Eu jamais chamaria alguém de paspalhão, sóbrio. Mas uma amizade que não resiste a um simples porre não é amizade. São, o quê?

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

– Alô? – Oi. – Quem é? – Eu. – Ahn... – Não desliga. Estou telefonando para pedir paz, – Olha, cara... –Deixa eu falar. É ridículo a gente continuar com essa briga. – Você me chamou de paspalhão. Uma palavra que nem se usa mais. – Pois é. Ridículo. Peço desculpa. Retiro o paspalhão. – Disse que eu tinha a percepção política de um tomate. – Eu disse isso? Não é o que eu penso. No calor da discussão, a gente não se controla. Eu falei mesmo ‘tomate’? – Berinjela, sei lá. – Veja só. Uma amizade de tantos anos acabar por nada. Por uma bobagem. – Eu não achei bobagem. Você não respeitou minha posição. – É que durante todos os anos da nossa amizade eu nunca soube qual era a sua posição. Nós nunca falamos de política. Me surpreendi, é isso. – Agora você sabe. – Foi como se, depois de tantos anos, eu descobrisse que você é gay. – Qual é o problema de ser gay? Eu não sou, mas qual é o problema? – Nada contra! – Mas você me insultou, me, me, me... – Cara, me arrependi. Quero fazer as pazes! – Ahn... – Não esquece que nós tínhamos bebido, naquela noite. Ninguém sabe o que diz, bêbado. Eu jamais chamaria alguém de paspalhão, sóbrio. Mas uma amizade que não resiste a um simples porre não é amizade. São, o quê? Vinte anos de amizade. Isso deve estar acima de qualquer posição, de qualquer bebedeira, de qualquer desentendimento passageiro. – Sei não... – Hoje mesmo a Janice me perguntou se eu sabia o que vocês iriam fazer no Natal, para a gente fazer juntos. Tive que contar da nossa briga. Ela também achou um absurdo. – O que vocês vão fazer no Natal? – O de sempre, com a mesma turma de sempre. Peru, o famoso sarrabulho da Janice, muita birita... Podemos contar com vocês? – Está bem. – Vamos acabar com essa bobagem? – Vamos. – Só uma coisa, cara. – O quê? – Não diz pra ninguém que você votou no Bolsonaro. 

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