Esculturas prontas para vestir, do artista chinês Li Xiaofeng

Com porcelana e fios de prata, fez-se a união entre a tradição milenar chinesa e a moderna camiseta polo

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Por Flavia Guerra
Atualização:

A partir de pedaços de porcelana, o artista chinês Li Xiaofent cria uma camisa polo especial para a Lacoste. Foto: Miko He/Divulgação

 

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Flávia Guerra - O Estado de S. Paulo

 

PARIS - Em tempos pós-modernos, em que o técnico da seleção brasileira veste Alexandre Herchcovitch, em que desfiles são inspirados em obras de artistas e fotógrafos, o trabalho de estilistas ganha exposições em museus e a arte vira objeto de consumo fashion, discutir as fronteiras entre as áreas parece assunto ultrapassado. "Tanto porque está tudo misturado. E tudo muda a todo momento. Vejo meu filho usando a mesma polo que meu pai usava. E os dois estão na moda", rebateu Christophe Chenut, vice-presidente da Lacoste, à pergunta do Estado sobre se seria possível ainda hoje definir se moda é arte e vice-versa.

O artista chinês Li Xiaofeng, que antes de ser convidado pela Lacoste para criar a Porcelain Polo "só se interessava pela moda porque gostava de ir às festas", concorda: "Em 2004, quando tive a ideia de me "vestir" com minhas esculturas, foi uma forma de poder levar meu trabalho a galerias que expunham o trabalho de outros artistas. Era uma performance, uma maneira de ser notado. Nunca havia pensado na moda como forma de expressão. E hoje vejo que, sem notar, estava inventando moda, sim."

A pedido da grife, Li criou uma camisa protótipo de porcelana e uma outra "polo impressa". Desta última, 20 mil exemplares serão produzidos e vendidos em várias lojas da grife pelo mundo. Unindo seu trabalho aos conceitos da grife, concebeu uma espécie de híbrido, que traduz com maestria o espírito atual da sinergia entre as áreas. Símbolo da união da tradição europeia, da importância da arte e do mercado oriental, a "polo de porcelana" une a tradição milenar do artesanato chinês ao design da moda francesa para formar um ícone contemporâneo de moda e arte.

Desde a primeira vez que Li decidiu vestir a camisa de sua arte performática até ser convidado pela Lacoste para criar a Porcelain Polo muita água e muita terra passaram por suas mãos.

Muralista formado pela Central Academy of Fine Arts de Pequim, Li se enveredou pela arte de criar esculturas com pedaços de porcelana. Mas os cacos que formam suas obras não são porcelana comum. Li compra a matéria-prima a quilo nos mercados locais. Muitas vezes são relíquias encontradas em escavações dos milhares de canteiros de obra que se espalham pela capital da China e datam da dinastia Ming (1368 a 1644), da Qing (1644 a 1911), entre outras. "Com esses cacos, formo novas peças, que ganham o contorno de vestidos tradicionais chineses, camisas e até uniformes militares", contou ele.

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Fios de prata. Para costurar essas ideias, o artista usa fios de prata, que garantem mobilidade e leveza às esculturas. "O corpo humano e sua relação com a arte sempre me interessaram. É um prazer poder tocar e absorver as energias que os artesões ancestrais deixaram nesses cacos. Levei anos para encontrar a fórmula perfeita entre forma e movimento. Costumava costurá-las com fios de bronze, mas a prata, logo este material que era tão usado na antiga China, acabou sendo o metal ideal."

Não é por acaso também que a Polo Porcelain "versão para vestir" traz pedaços de porcelana com figuras de bebês e da flor de lótus. Mas, em vez de confeccioná-la em porcelana, Li trabalhou sobre um protótipo digital em tamanho real. "Literalmente, fui colando os pedaços azuis "de louça virtual", anteriormente fotografados, em um fundo branco. Foram 251 cacos para o modelo feminino e 304 para o masculino. Para completar, golas azuis. Acho que ficou bacana o jogo entre as figuras dos bebês, da flor de lótus e o crocodilo da Lacoste", afirmou Li.

Entre os temas que ilustravam as louças chinesas, Li explicou sua escolha: "São dois símbolos importantes da nossa cultura. A flor de lótus nasce na lama e simboliza pureza e força. Já os bebês eram sinal de que as famílias desejavam saúde para as crianças. Como a taxa de mortalidade era muito alta na época, pintar as louças com figuras de bebês era uma tradição e um desejo."

É esse desejo de prosperidade e força que a marca busca quando desafia artistas como Li a criar algo novo com base em uma fórmula tradicional. "Apesar de variarmos nosso leque de atuação, de ter criado as linhas femininas, infantis, acessórios, entre outros, a camisa polo é o ícone da Lacoste. Manter o frescor desse item não é tarefa fácil", analisou Chenut.

Releituras. A simbólica peça já foi copiada e ganhou várias releituras de grifes e estilistas pelo mundo. "Muita gente nem associa a polo à Lacoste. Há quem ache que foi outra grife que a inventou. Há também uma geração que chamamos de "perdida" porque simplesmente não inclui a camisa em seu guarda-roupa", disse o CEO.

Foi de olho na geração "perdida" e nas outras a serem conquistadas que a grife criou a Holiday"s Collector Series. Ao agregar o chamado "desejo de moda" às outras áreas, como design (no caso dos Campana), música (Michael Stipe), cinema (quando Pedro Almodóvar assinou a criação), entre outras, a grife não só dialoga com seu público como também fala com um novo mercado consumidor.

Li também espera dialogar com novas mentes agora que "entrou para o mundo fashion". "Como artista, tinha preconceito em relação à moda, mas conheci melhor a filosofia da grife e vi no desafio de criar uma polo a possibilidade de falar com muita gente, ao mesmo tempo. Fico imaginando todos os 20 mil que poderão vestir uma obra minha, ainda que uma camisa, ao mesmo tempo. Para mim, esse é poder da moda."

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Quem é Li Xiaofent - artista plástico chinês

 

Formado em muralismo pela Central Academy of Fine Arts de Pequim, Li decidiu ser escultor e hoje é mundialmente reconhecido por seu trabalho de confecção de "roupas" com fragmentos de porcelana das dinastias Tang, Song, Yuan, Ming e Qing. Artista residente da conceituada Red Gate Gallery em Pequim, foi convidado para criar uma camisa polo de porcelana para a anual Holiday Collector"s Series, especial da Lacoste.

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