Escritores fazem sucesso em outra língua

Pouco conhecidos aqui, os nomes de Júlio César Monteiro Martins e Sérgio Kokis têm seu prestígio e importância cada vez mais fortalecidos nos países onde hoje moram e escrevem. Monteiro na Itália e Kokis no Canadá

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Por Agencia Estado
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Embora conte com antecedentes ilustres, como Samuel Becket e Joseph Conrad, só agora a literatura de escritores que adotaram uma segunda língua como forma de expressão começa a ser classificada. São autores filiados ao que uma parte da crítica literária vem chamando de "literatura híbrida". Formados por imigrantes, que se sentem exilados culturalmente em seus países de origem, os híbridos vêm contribuindo para enriquecer o idioma de adoção e criar uma tradição à margem da seqüência histórica na qual se inserem. As crises políticas, econômicas e culturais nas quais o Brasil vem se arrastando nas últimas décadas colocaram dois escritores cariocas no time de autores híbridos. Pouco conhecidos aqui, os nomes de Júlio César Monteiro Martins e Sérgio Kokis têm seu prestígio e importância cada vez mais fortalecidos nos países onde hoje moram e escrevem. Monteiro na Itália e Kokis no Canadá. O primeiro não é um total desconhecido entre nós. No final da década de 70, ele se tornou um dos representantes mais promissores de uma geração de contistas formada por Domingos Pellegrini, Caio Fernando Abreu, Luiz Fernando Emediato e Antônio Barreto. Lançou o primeiro livro em 1977, Torpalium (Ática), ao qual se seguiram outros oito, quatro deles publicados pela editora Ânima, fundada por ele na década de 80. Em 1994, após ter vendido sua editora para arcar com as custas de um longo processo movido contra o cineasta Cacá Diegues, acusado por Monteiro de ter se apropriado de um roteiro seu para Um Trem pras Estrelas, o escritor resolveu trocar o Brasil primeiro por Portugal e, em seguida, pela Itália. Segundo Monteiro, os danos morais causados pelo processo inviabilizaram sua vida aqui. Durante cerca de três anos, ele teve vários livros seus recusados por diversas editoras: "Ou mudava de profissão e esperava um reconhecimento tardio ou saía e começava do zero". Nova Literatura Italiana - Monteiro, 46 anos, vive em Lucca, onde dirige o centro de formação literária Sagarana há dois anos e onde acaba de publicar seu segundo livro em italiano, Racconti Italiani (editora Besa) - o primeiro é Il Percorso dell´Idea (ed. Bandechhi e Vivaldi, 98). A obra foi saudada pelo crítico Armando Gnisci, da prestigiosa universidade La Sapienza de Roma, como um dos melhores livros de ficção da nova literatura italiana. Reúne 29 histórias curtas e de temas variados, de um relato da partida de Fernão de Magalhães para circunavegar o mundo à história de um veterinário carioca que luta para salvar a vida de um lobo guará. Primeira Língua - "Não considero o italiano minha segunda língua, porque penso, sonho e xingo em italiano", diz Monteiro Martins, por telefone, do centro de estudos que dirige em Lucca, localizado em um palacete renascentista dentro dos muros da cidade. "Escrever em uma língua que não é a sua enriquece consideravelmente uma cultura, porque há um modo de ver e pensar as coisas inteiramente diverso da produção dos escritores que escrevem na sua língua materna". Monteiro tem obtido reconhecimento também em seu laboratório de literatura. O Sagarana vem estimulando vocações de jovens com interesse em se tornar escritores. "Quatro desses jovens talentos já publicaram com alguma repercussão, o que considero excelente resultado em se tratando de tão pouco tempo de implantação do curso", diz. Até o final do ano que vem, o cineasta brasileiro Calixto Hakin, radicado nos Estados Unidos, vai filmar um conto de Monteiro, Made in Brazil, que conta a história do dia-a-dia de cinco funcionários de uma empresa.

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