Escritora espalhou "centenas de filhos" pelos palcos

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Por Agencia Estado
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A diretora e autora de teatro Maria Clara Machado, que morreu ontem em casa, no Rio, aos 80 anos, não deixa descendentes consanguíneos, mas espalhou centenas de "filhos" pelos palcos, telinhas e telonas do Brasil. Fundadora do Teatro Tablado, que completa 50 anos de atividade em setembro desse ano, ela não só tornou-se uma referência do teatro infantil brasileiro, mas também formou gerações de atores e diretores que sempre a consideraram "mãe de todos". Assim ela foi chamada na homenagem recebida no dia 24 de abril, durante a entrega do Prêmio Shell de Teatro, que Maria Clara recebeu por sua contribuição às artes cênicas como dramaturga e professora. Já doente do câncer que a matou ontem, ela não compareceu mas mandou um recado bem humorado. "Daqui a dez anos, quando eu fizer 90 anos e o Tablado, 60, estarei aí para receber o prêmio", mandou dizer. Um emocionado Pluft (seu personagem mais conhecido, naquele momento vivido pelo ator Luiz Carlos Tourinho, seu ex-aluno) chamou ao palco todos os atores e profissionais que passaram pelo Tablado. O palco do Golden Room do Copacabana Palace foi pequeno para tanta estrela. Nomes diversos como Jacqueline Lawrence e Lúcia Veríssimo, Marcelo Serrado e Bel Kutner encheram a cena, mas a lista cresce com o nome de Miguel Falabella, Lousie Cardoso, Malu Mader, Maurício Mattar, Maria Padilha, Roberto Batalhin, Cláudio Correia e Castro, Marieta Severo, Djenane Machado, a bailarina Nora Esteves e muitos outros. Nos 50 anos de Tablado, Maria Clara acolhia a todo jovem (ou nem tanto) desejoso de estar no palco (ou nas coxias) e era conhecida tanto pelo carinho com que tratava cada aluno como pelo pulso de ferro com que conduzia os espetáculos. Estes foram muitos, e antológicos. Estréia - Sua estréia como autora foi em 1955, com o espetáculo O Boi e o Burro a Caminho de Belém, que fez sucesso imediato. Naquela época, era raro um espetáculo infantil com a produção cuidada e texto inteligente que se tornaram sua marca. Mas nada se compara à sua segunda peça, Pluft, o Fantasminha, o maior clássico dos palcos brasileiros. A estréia também foi em 1955 e, desde então, nem a própria Maria Clara tinha idéia de quantos palcos seu fantasma medroso tinha freqüentado. Pluft era também seu texto preferido. "É minha peça mais completa. Dura uma hora e tem de tudo: humor, poesia e situações", disse ela em 1995, quando remontou a peça, para comemorar os 40 anos do personagem. Depois desses dois sucessos vieram outros 25, que sempre usaram personagem tradicionais em situações atípicas. Assim foi com A Bruxinha que era Boa, O Rapto das Cebolinhas, A Coruja Sofia, O Cavalinho Azul (que virou filme, dirigido por Eduardo Escorel), Tribobó City etc. Berço de ouro - Toda essa criatividade tinha raízes. Culturalmente, Maria Clara Machado nasceu em berço de ouro. Era a caçula das cinco filhas do escritor Aníbal Machado (e da dona de casa Aracy) e desde cedo conviveu com a intelectualidade carioca e brasileira que o pai recebia em saraus e reuniões históricas em sua casa de Ipanema, na zona sul do Rio. Ela gostava de contar que nada tinha de tímida e se metia tanto nas conversas de adultos que Anível Machado a chamava de pernóstica. "Eu adorava porque pensava que pernóstica era quem tinha pernas bonitas", contava. Suas amigas de infância eram Mariinha Portocarrero (que virou Tônia Carrero para ser uma das maiores atrizes brasileiras) Maria Julieta de Andrade, filha de Carlos Drummond de Andrade. O teatro era uma paixão comum e Tônia representou em público, pela primeira vez, num teatrinho de bonecos armado em casa por Maria Clara. Maria Julieta foi a responsável por sua profissionalização. Incentivou a amiga a estudar na França, nos anos 40, onde teve aulas com o mímico Decroux e com ator e diretor Jean Louis Barrault, dois dos maiores nomes dos palcos mundiais. De volta ao Brasil, em 1950, foi trabalhar como enfermeira no Patronato da Gávea, às margens da Lagoa Rodrigo de Freiras, na zona sul, e queria montar espetáculos com os operários que atendia. Não deu certo e ela juntou um grupo de amigos (entre eles Napoleão Moniz Freire, Cláudio Correia e Castro e a figurinista Kalma Murtinho) e montou seu primeiro espetáculo. No ano seguinte, abriu a escola que funciona até hoje no Patronato, com Marieta Severo e a colunista Hildegard Angel entre os primeiros alunos. Câncer - O resto é um capítulo importante da história do teatro brasileiro. Há um ano e meio, ela vinha lutando contra um câncer raro, que atinge pessoas em idade mais avançada. Não parou sua atividade em momento algum, mas teve que reduzí-la devido ao tratamento. Segundo sua sobrinha e principal assessora, a atriz Cacá Mourthé, no momento da morte, às 20h45m de segunda-feira passada, ela estava cercada de amigos e familiares. "Ela detestava hospitais e, se ficasse internada sofreria mais", contou Cacá, que pretende manter a programação dos 50 anos do Tablado, previstas para setembro. "Só não vai haver a nova peça que Maria Clara pretendia escrever", concluiu Cacá. Velório - O velório de Maria Clara Machado foi na Capela do Patronato da Gávea e o enterro estava marcado para as 16 horas no cemitério São Francisco Xavier, no Caju, zona portuária do Rio de Janeiro. Centenas de atores, ex-alunos ou não da autora, foram prestar sua última homenagem.

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