Escritor praticava realismo sobrenatural

Além de definir seu estilo literário, Roberto Drummond viveu dividido entre o desejo de ver seu nome cintilando na tela da Globo (Hilda Furacão), e o reconhecimento da crítica

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Por Agencia Estado
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Roberto Drummond foi um escritor partido entre o prazer elevado das honrarias e as vantagens concretas do sucesso. Não foi por outro motivo que terminou dando como prontas duas versões do último romance que publicou em vida, O Cheiro de Deus. O livro chegou a ter 23 versões manuscritas, escritas durante 11 anos; uma delas, que ele considerou "mais comercial", foi enfim publicada em julho de 2001. Uma segunda, se não mudou de idéia e a destruiu, deve estar guardada em algum canto de seu apartamento em Belo Horizonte, ao lado da instrução expressa de que só venha a ser publicada daqui a cem anos. Havia um Drummond que desejava ser um astro, que queria ver seu nome cintilando na tela da Globo (desejo afinal realizado com a adaptação de Hilda Furacão), que ambicionava tornar-se um best seller; havia outro que preferia ser reconhecido pela crítica e pelos leitores de elite, que almejava prêmios e honrarias, ser enfim um "grande escritor". Não há nada de original nisso. Tal cisão, entre a glória e o dinheiro, mobiliza o íntimo de muitos escritores. Ocorre que Drummond, ao contrário da maioria deles, nunca a escondeu. Viveu esse conflito publicamente, sem escamoteá-lo, ou dele se envergonhar. Transformou-o em seu assunto favorito, em seu modo de ser. É nessa perspectiva, da cisão e do conflito nunca resolvidos, que, agora que ele morreu subitamente, seus leitores devem aguardar a publicação de seu romance mais recente, Os Mortos não Dançam Valsa, cujos originais ele vinha revisando para entregar ao editor Roberto Feith. Que Drummond predominará dessa vez, o homem que escreveu o prestigiado A Morte de D. J. em Paris, ou o escritor ligeiro dos relatos reunidos em O Homem Que Subornou a Morte? Aliás, é curioso verificar, agora que está morto, quanto a morte freqüentou sua imaginação. Drummond gostava de dizer que praticava um "realismo sobrenatural" e tirava um prazer quase infantil do estranhamento provocado por essa definição. Aos 68 anos, vivia com a intensidade e o calor de um rapazola - e fazia constar em todos os contratos editoriais uma cláusula segundo a qual sua idade não seria revelada.Os Mortos não Dançam Valsa, romance que deveria entregar à editora Objetiva em julho, é a história de uma mulher mineira cujo maior sonho - o mais mineiro dos sonhos - era ver o mar. O marido sempre lhe prometia a viagem, compromisso que não chegou a cumprir, pois ela morreu antes. Tomado pela culpa, ele transporta seu corpo para o Rio de Janeiro e com ele dança uma última valsa, nas areias de Copacabana.

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