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Escritor francês reinventa o Brasil do século 16

Em Vermelho Brasil, vencedor do prestigioso prêmio Goncourt, Jean-Christophe Rufin revê o papel dos franceses na ocupação do Brasil

Por Agencia Estado
Atualização:

O escritor e médico Jean-Christophe Rufin venceu na semana passada, com um livro sobre o Brasil, o mais prestigioso prêmio literário da França, o Goncourt. Recebeu por isso a astronômica quantia de 50 francos, "o suficiente para comprar dois pacotes de cigarros". Mas não se enganem: o Goncourt - cuja seleção é feita tradicionalmente por um júri reunido numa mesa do Café de Flore, em Paris - não dá dinheiro, mas tradicionalmente tem o poder de quintuplicar as vendas de cada um dos seus escolhidos. Rouge Brésil (Vermelho Brasil), o livro de Rufin, já vinha bem nas livrarias. Na primeira semana do seu lançamento, em setembro, ocupava a lista dos mais vendidos. Trata da tentativa da França de estabelecer uma colônia no Brasil, a chamada França Antártica, no século 16, na expedição de Villegagnon. Rufin morou dois anos no Brasil, entre 1989 e 1990, trabalhando para o Consulado da França no Nordeste, como adido cultural. Fala português fluentemente. É um dos fundadores do movimento humanitário Médicos sem Fronteiras. "Voltei com muitas impressões poéticas e históricas e a vontade de um dia escrever sobre a França Antártica", disse ele por telefone, na tarde de segunda-feira, falando à reportagem de Paris, onde vive. Rufin defendeu sua visão romanesca da aventura dos franceses na terra do pau-brasil. "Não tenho a menor vergonha de dizer que me escorei na tradição do romance clássico de Alexandre Dumas e Mark Twain", disse. Agência Estado - Seu livro defende a idéia de que os franceses já tinham amplo conhecimento das costas brasileiras e um dos seus personagens até chama os portugueses de "caras-de-pau" por reinvindicarem a descoberta da terra. Jean-Christophe Rufin - Franceses e espanhóis não tiveram a idéia de reinvindicar a descoberta. Cabral fez uma viagem oficial. Mas é bom saber que as tinturas, as cores utilizadas nos tecidos dos Gobelins, desde o século 15, já tinham tinta do pau-brasil. Em seu livro, um índio brasileiro aparece como um personagem quase natural dentro de uma taberna de Rouen, em 1550. Era mesmo corriqueiro isso? Natural, não. Rouen era o grande centro dos navios que faziam o comércio com o Brasil. Havia índios regularmente lá. Quando os reis da França iam visitar Rouen, em 1550, os normandos prenderam 50 índios para fazer cerimônia de dança e canto para os reis. O grande Montaigne, 10 anos depois, encontrou vários índios lá. Traziam como espécies de prêmios, como traziam macacos e papagaios. Objetos de curiosidade e exotismo. Como era uma viagem perigosa e dispendiosa, os comerciantes queriam mostrar aos reis toda a riqueza e as perspectivas comerciais que se podiam desenvolver no Brasil. Se bem que o argumento mais forte para o rei era político. O romance descreve como os portugueses cortavam os membros dos franceses que encontravam em barcos na costa brasileira. É fato isso? Dizem, não sei. Documentos de época falam muito nisso. Os franceses que iam ao Brasil, na época, embora fossem também violentos, eram meros comerciantes. Os portugueses estavam ocupando militarmente, estavam lá com sua marinha. Então tinham uma grande vontade de dar lições exemplares, de intimidação. Há uma teoria no Brasil de que, se os holandeses tivessem triunfado em sua colonização no Nordeste, a região hoje seria bem mais avançada do que é. O sr. ousaria tecer uma consideração semelhante sobre a ocupação francesa? É bem difícil dizer. A presença francesa era uma questão não só de colonizar, mas de permanecer. A França era boa para entrar nos lugares, mas péssima para permanecer. Veja os exemplos da Louisiana, nos Estados Unidos, e de Quebéc, no Canadá. Perdeu tudo isso. Mas não posso imaginar o que seria no Brasil. Sei que os franceses mantiveram uma forte relação com o País. Ao fim dessa tentativa de colonização, quando acabou a experiência, muitos franceses nunca retornaram. Ficaram com os índios, não com os portugueses. Ensinaram-lhes a arte militar e colaboraram para rechaçar os avanços portugueses rumo ao interior. Acho que, se tivessem permanecido, a relação entre as populações locais e o colonizador seria diferente, porque o comportamento era diferente. Os portugueses eram mais violentos, predatórios e segregativos. Seu livro se chama "Rouge Brésil" por causa do pau-brasil? Sim, principalmente. Mas também se trata de um jogo com a palavra vermelho, que é a cor do sangue, da violência, da paixão. Seus personagens, Just e Colombe, lembram muito os personagens de Mark Twain, personagens em iniciação. O sr. se inspirou naquele tipo de literatura? Tenho muito respeito por toda a literatura dessa época. Hoje em dia somos muito influenciados pela literatura de pesquisa, pelo nouveau roman. Fiquei na tradição do romance clássico do século 19, que possibilita mostrar as paisagens, pintar os retratos e mostrar a natureza de hoje com outra abordagem. Não tenho a menor vergonha de dizer que me escorei na tradição de Alexandre Dumas e Mark Twain. Qual o significado de ganhar o Prêmio Goncourt? Há muitos detratores do prêmio, dizem que é a escória dos juízes, que as escolhas são falhas. Mas, no final, é o único prêmio que tem tamanha influência dentro e fora do País. As pessoas têm fascinação por esse prêmio.

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