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Coluna do escritor e arquiteto Milton Hatoum sobre literatura e cidades

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Todos os jovens – em tempos normais ou catastróficos – vivem a angústia da escolha de uma profissão

Por Milton Hatoum
Atualização:

“Tinha 20 anos. Não deixarei ninguém dizer que é a mais bela idade da vida” Paul Nizan, ‘Áden, Arábia’ Para a imensa maioria dos jovens de famílias pobres, o vestibular deste ano será, sem dúvida, o mais angustiante. Esses estudantes foram, e ainda são, os mais prejudicados pela pandemia e pela política excludente e perversa do Ministério da Educação. 

Todos os jovens – em tempos normais ou catastróficos – vivem a angústia da escolha de uma profissão Foto: Pixabay

Mas todos os jovens – em tempos normais ou catastróficos – vivem a angústia da escolha de uma profissão. É provável que muitos já tenham escolhido ou intuído um campo profissional. São estudantes que desde o ensino fundamental gostam de disciplinas de ciências humanas, biológicas, exatas; ou artes e literatura. Não são áreas de conhecimento isoladas; de algum modo, comunicam-se entre si. Além disso, a imaginação é uma capacidade inerente a qualquer pessoa, com ou sem formação profissional.  Não são poucos os cientistas, médicos e engenheiros que se tornaram ficcionistas, poetas, ensaístas. Cito apenas dois exemplos: o engenheiro e poeta pernambucano Joaquim Cardozo, e o médico e escritor mineiro Pedro Nava. Ambos exerceram sua profissão ao longo da vida, mas o engenheiro e o médico encontraram na poesia e na prosa linguagens para expressar um sentimento particular de ver o mundo.  Ao contrário das universidades norte-americanas, são poucas as universidades brasileiras que oferecem disciplinas de ciências humanas e artes nos dois primeiros anos dos cursos de ciências exatas e biológicas. Penso que essa é uma falha da grade curricular das nossas universidades.  Quando fui professor-visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley), me surpreendeu o número de estudantes das áreas de tecnologia, biomédicas e outras. Quase todos já tinham cursado disciplinas de cultura e literatura norte-americana, mas os futuros médicos, engenheiros, cientistas, economistas e advogados queriam conhecer um pouco da literatura da América Latina.  No Brasil, quando um estudante universitário deseja mudar de curso ou de área de conhecimento, é necessário prestar mais um vestibular e, claro, ser aprovado. Isso pode ocorrer no primeiro ou no segundo ano da faculdade, e às vezes no fim do curso, ou mesmo depois, em pleno exercício da profissão.  Mas a pior coisa para um jovem vestibulando indeciso é a pressão dos pais para que o filho (ou a filha) siga essa ou aquela profissão. Lembro que, ao terminar uma palestra numa escola particular, uma estudante quis conversar sobre a escolha do curso universitário. O pai a pressionava a estudar medicina, e ela queria ser atriz. Então mencionei o caso de uma conhecida, que se formou em medicina, concluiu um doutorado em cardiologia, e poucos anos depois percebeu que sua paixão era a arte da cerâmica. Hoje ela é uma exímia ceramista.  Infelizmente poucas escolas convidam profissionais de áreas diversas para falar sobre sua formação universitária e suas experiências de trabalho. Essas falas poderiam ser gravadas em vídeo e transmitidas em sala de aula nas escolas públicas e particulares. Assim, os estudantes indecisos – quando não totalmente perdidos – teriam uma noção mais clara dos cursos e das profissões, sem excluir o teatro e a cerâmica.  Diante de filhos indecisos quanto à escolha profissional, os pais não devem pensar apenas no mercado, na vantagem financeira ou no suposto – e muitas vezes enganoso – “prestígio” de uma profissão. Quando um jovem reflete sobre o significado da vida, o que está em jogo é a própria variedade da vida, com suas ambiguidades e dúvidas.  No romance Pais e Filhos, de Ivan Turguêniev, dois amigos – Arkádi e Bazárov – conversam sobre a infância, a passagem do tempo, a natureza, o amor, a família, os princípios morais, os mujiques e a vida no campo, a Rússia... Em certo momento, Arkádi, com ar pensativo, diz ao amigo: “É preciso construir nossa vida de modo que cada momento seja significativo”. “Perfeito!”, diz Bazárov. “O que é significativo tem um gosto doce, mesmo quando é falso, mas também é possível resignar-se ao que não tem significado... porém as brigas por mesquinharias... isto sim é uma desgraça.” A orientação dos pais e da escola é importante, mas cabe ao jovem buscar e descobrir o que lhe será mais significativo na vida.  É ESCRITOR E ARQUITETO, AUTOR DE ‘DOIS IRMÃOS’ E ‘CINZAS DO NORTE’

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