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Épicos russos revolucionários em DVD

Pacote da Continental põe nas lojas o deslumbrante Terra, de Dovjenko, e também Que Viva México, de Eisenstein; Quando Voam as Cegonhas completa o pacote de clássicos

Por Agencia Estado
Atualização:

É o mais belo poema revolucionário do cinema e agora você poderá conferir as extraordinárias qualidades que fazem de Terra, de Aleksandr Dovjenko, o filme merecedor desse título. Terra integra o novo pacote de lançamentos em DVD que a Continental dedica ao cinema revolucionário soviético. Na verdade, só dois filmes formam realmente um pacote, podendo ser adquiridos numa caixa - Terra e Que Viva México, de Serguei M. Eisenstein. Em separado, a Continental lançou também o DVD de Quando Voam as Cegonhas, de Mikhail Kalatozov, de quem já havia lançado, anteriormente, Soy Cuba!, sobre a revolução cubana. Embora agrupados sob o título geral ´cinema revolucionário soviético´, esses filmes representam diferentes momentos da cinematografia da extinta URSS. Mais do que isso: só Terra faz mesmo justiça ao rótulo. Que Viva México foi feito por Eisenstein no México e ficou inacabado. Quanto a Quando Voam as Cegonhas, é bastante posterior aos anos de ouro. O filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1958, foi feito após as denúncias do 20.º Congresso do Partido Comunista contra Josef Stálin, dois anos antes. Naquela época, só os comunistas de carteirinha ainda achavam a URSS revolucionária. Como O Encouraçado Potemkin, de Eisenstein, de 1925, Terra, de 1930, também é um filme de propaganda. Eisenstein fez o dele a pedido do comitê central da revolução para comemorar os 20 anos do levante em Odessa, considerado um dos marcos deflagradores da consciência revolucionária na Rússia. Dovjenko fez o dele para promover as cooperativas agrícolas que mudavam a face do campo na URSS. O filme comerça num kolkoz, uma fazenda coletiva, com a morte de um velho camponês. Ele dá seu último suspiro cercado pela família. Chega seu neto, conduzindo um trator. Está aí representada a metáfora do velho e do novo, construída por Dovjenko. Ele foi o cineasta da Ucrânia, a terra dos girassóis. Nunca deixou de cantar a beleza de sua terra. Dovjenko participou ativamente da guerra civil de 1917-18, foi secretário de seção em Kiev, integrou o secretariado do povo e foi embaixador na Polônia e na Alemanha. Abandonou tudo por amor ao cinema. E fez Arsenal, em 1929, seguido por Terra, no ano seguinte, e por Chtchors, em 1939. São os filmes mais importantes entre os 11 que realizou. O melhor é Terra, mas há críticos que preferem Chtchors. Acham excessivo o lirismo do filme que você pode ver agora. Na história de Terra, o rapaz, que representa o novo, é morto pelo filho de um rico proprietário, a encarnação do velho regime. São imagens de não esquecer: o rapaz acaba de visitar a noiva. Vem pela estrada, feliz, quando é morto à traição. O campo está dividido entre os que apóiam e são contrários à coletivização. A morte do herói oferece um mártir à causa. A coletivização triunfa. Você pode achar tudo isso muito simplificado, mas Potemkin, quase sempre eleito (com Cidadão Kane, de Orson Welles) o melhor filme do mundo, não é menos simplificado como síntese do processo revolucionário. E as imagens de Dovjenko são deslumbrantes: o corpo do morto contra fundos de trigais tem seu correspondente no desespero da noiva toda nua em seu quarto. Não é uma representação idílica do amor. O que ela chora ali não é tanto o namorado, mas o amante. Cosmética - Talvez seja oportuno rever Terra à luz da polêmica sobre a cosmetização da miséria que agita o cinema brasileiro atual. A inspiração pictórica de Dovjenko, os seus céus de nuvens carregadas, não farão parte de uma idealização? E os de Eisenstein em Que Viva México, que definiram o padrão das célebres nuvens que o diretor de fotografia Gabriel Figueroa distribuiu pelo cinema mexicano dos anos 1940 e 50? Nunca houve um Que Viva México conforme à expectativa do seu autor. Eisenstein fez o filme em 1930-31, após o fracasso de sua experiência americana (queria dirigir a adaptação de Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser). Quando isso ocorreu, o escritor Upton Sinclair criou as condições para que ele dirigisse seu filme em episódios no México. O projeto original de Eisenstein deveria compreender um prólogo, quatro histórias e um epílogo. O prólogo é uma invocação à eternidade por meio da permanência dos signos da cultura maia. Seguem-se as histórias: Sandunga, que trata de um casamento em Tehuantepec; Maguey, que se passa na época de Porfírio Diaz e narra uma história de amor que culmina com a execução dos amantes fugitivos sob as patas de cavalos; Fiesta, sobre os amores de um toureiro e uma mulher casada; e Soldadera, sobre uma mulher que larga tudo para seguir um revolucionário de 1910. Segue-se o epílogo, ambientado em 1931 e que faz a apologia do México moderno. Eisenstein teve todo tipo de problemas durante a realização. Quando brigou com Sinclair, ele se apropriou dos negativos e os vendeu a Sol Lesser. Eisenstein nunca pôde montar o material como gostaria. Surgiram várias versões que o próprio diretor se encarregou de desautorizar. A que consta no DVD da Continental começa com o próprio G. Alexandrov, colaborador de Eisenstein, garantindo que essa é a mais próxima de todas, feita (nos anos 1970) com base nas informações que o autor teria repassado ao compilador de suas imagens. Seria mesmo esse o Que Viva México que Eisenstein queria realizar? Nunca ninguém saberá a resposta, mas o filme, baseado no culto mexicano da morte, autoriza algumas conclusões. Alguma coisa nova, e importante, estava se passando no cinema de Eisenstein. A plasticidade do filme anuncia uma valorização da imagem em si mesma que difere dos conceitos da montagem que, até então, orientavam o diretor. A beleza da imagem também marca Quando Voam as Cegonhas, que conta a história de um casal separado pela guerra. Ela o espera e, na cena final, na estação de trens... Veja o filme para saber o ocorre. Kalatozov já era um diretor veterano e um grande técnico desde os anos 1920. Os críticos elogiavam a beleza de suas imagens naquela época, quando ele assinou seus primeiros filmes. No fim dos 50, a vitória de Quando Voam as Cegonhas em Cannes foi muito contestada. O cinema já estava mudando, na época. Surgiam os primeiros filmes da nouvelle vague, anunciando uma nova concepção de cinema. E havia Meu Tio, de Jacques Tati, que teve de se contentar com o prêmio do júri. Kalatozov era um formalista, diziam os críticos, e o descartavam por isso. Continuou formalista em Soy Cuba!, mas seu filme cubano possui um sopro revolucionário que o atual lançamento em DVD, por mais belo que seja visualmente, não tem. Cinema Revolucionário Soviético. DVDs da Continental. Que Viava México! e Terra, um só pacote. Quando Voam as Cegonhas, isolado. R33 cada

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