Entrevista com John Lennon será lançada no Brasil

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Por Agencia Estado
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Em dezembro de 1970, sentindo-se acuado, John Lennon resolveu jogar farofa no ventilador, para não dizer coisa mais deselegante. Deu uma série de entrevistas a Jann Wenner, editor da revista Rolling Stone, abordando temas dolorosos como a marcação cerrada a Yoko, sua mulher, os motivos da separação dos Beatles e o fim do sonho dos anos 60. As entrevistas foram reunidas em livro, na época. Passados 30 anos, Lennon Remembers é finalmente publicado por uma editora brasileira, como Lembranças de Lennon. A editora é a Conrad e o lançamento está previsto para o mês que vem, com trechos inéditos, suprimidos da edição original. Na época dessa entrevista, John Lennon tinha 30 anos. Jann Wenner tinha 24 anos e diz que seu interlocutor desabafou "com toda a espontaneidade, urgência e falta de cuidado características da primeira vez". O mal-estar gerado pelas declarações de Lennon atravessou os anos e persiste até hoje. Ele conta, por exemplo, como descobriu que Maharishi - o guru dos Beatles - "fez todo mundo de bobo" e sugere que o conjunto tenha sido uma fraude artística. "O livro dá um tranco na gente, como um café expresso muito ruim", escreve Yoko Ono no texto de introdução. "Quem tem estômago fraco, deve fechar a janela antes de ler - pode sentir vontade de pular." Yoko estava presente às sessões de entrevistas e conta que era chamada pelos seus detratores, na ocasião, de "Japa", "Bruxa", "China" e até "Cadela". Ela conta que John Lennon estava, pela primeira vez na sua vida, tentando revidar os ataques e que não se saiu bem. Ainda assim, ela autorizou a republicação do livro e até escreveu o texto de abertura. "Não é sutil ou sensato e, como exceção à regra, nem mesmo particularmente esperto", escreve a artista, cantora e performer. Jann Wenner discorda de Yoko. Ele diz que não tinha relido o livro desde sua publicação e que a entrevista é fascinante. Vê sinceridade, brilhantismo, cólera e intensidade nas respostas de Lennon. "Lembranças de Lennon surpreende por oferecer uma compreensão real do homem - de quem era e como se sentia - e também da paixão e da perspicácia que depositava em quase tudo que fazia", diz Wenner. "Afora alguns dos discos, é o único lugar em que pude enxergar John Lennon de tal forma." De fato, é um livro revelador. Lennon não foi um sujeito de boa formação - na verdade, era até bem bronco. Parecia não saber direito o que significa uma de suas frases mais elaboradas filosoficamente, "Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor". Para ele, foi uma "revelação" pessoal que lhe trouxe a imagem. Mas era um criador de intuição admirável. E tem consciência do seu grau de intuição, tanto que sugere que conseguiria tocar trombone com competência, apesar de não saber tocar trombone. É possível conhecer com clareza seu "método" de composição lendo sobre como ele compôs "God" e como um verso conduziu a outro. Lennon também destila aquela arrogância típica de quem se acha ungido de algum dom especial e que não gosta de ser interpelado de maneira muito incisiva. Yoko Ono de vez em quando dá algum palpite, mas John em geral discorda dela e a artista plástica acaba no final dando razão ao parceiro. "Era tudo que podíamos fazer diante da oratória do John, que prosseguia sem pausas". Yoko surge como uma personalidade meio pálida dessas entrevistas sangrentas de Lennon. E, de vez em quando, afetada. "Eu quebraria e botaria fogo num De Kooning", ela diz, sugerindo que destruiria um quadro do pintor holandês Willem de Kooning (1904-1997). Tudo prenhe daquela sanha contracultural meio tola. E também dá muita bola-fora. Em determinado momento, Lennon fala de sua canção Working Class Hero, de como ele gostaria que atingisse pessoas da classe trabalhadora e não "vagabundas e veados". Yoko retruca: "É uma música fantástica." E ele: "Não, não quero elogio, só... Estou dizendo que acho que é uma canção revolucionária." Algumas revelações podem ser desconcertantes. Um dos versos mais belos de Lennon, por exemplo, é "happiness is a warm gun" (felicidade é uma arma quente). Ele conta que leu isso na capa de uma revista sobre armas. E acha divertido saber que uma arma quente significa que alguém acabou de atirar em alguma coisa. Outras seriam escandalosas, não fossem tão antigas. Lennon diz que seus contadores e executivos da Apple roubavam os Beatles em cerca de 18 a 20 mil libras por semana e viviam como nababos às custas do quarteto. Revela que perderam por volta de 5 milhões de libras em direitos autorais e que a Dick James Music Company, sua editora musical na época, era um dos artífices da sangria nos cofres dos Beatles. Sobre o filme "Os Reis do Iê-Iê-Iê", que está em cartaz nos cinemas brasileiros atualmente, ele diz que o roteirista, Alun Owen, era um "dissimulado" e que fez um bom trabalho, apesar de não ter causado satisfação plena. "Eu, espirituoso; o Ringo, bonito e bobo; o George, isso; o Paul, aquilo", lembra Lennon. "Nós ficamos meio putos com a superficialidade e a porcaria dos diálogos". A nova edição de "Lennon Remembers" foi feita a partir da transcrição das fitas originais. Isso possibilitou que algumas partes deixadas de fora na primeira edição ("Por discrição", segundo Jann Wenner) fossem incorporadas ao novo texto e alguns erros suprimidos.

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