Enfim, termina a rivalidade

Musical em cartaz no Rio reúne fãs de Emilinha e de Marlene, a maior parte, órfãos da Rádio Nacional

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Por Roberta Pennafort e RIO
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No auditório da Rádio Nacional, a cena seria inimaginável: três centenas de fãs de Emilinha e de Marlene assistindo lado a lado, e pacificamente, a um show das duas, aplaudindo e cantando juntos seus sucessos. Passado mais de meio século - Emilinha morreu em 2005, Marlene está com 87 anos -, a rivalidade, à época inflamada por locutores sensacionalistas e por reportagens tendenciosas, não faz mais sentido. É o que confirma a plateia do musical Emilinha e Marlene - As Rainhas do Rádio, sucesso de público há oito semanas no teatro Maison de France, no centro do Rio, uns dois quilômetros distante do velho auditório. Na entrada do teatro, perto de onde foi montada uma banquinha com souvenirs com o rosto de cada uma, veem-se as fotos da fase áurea das duas cantoras, indicando a "divisão" da plateia, tal qual se fazia nos anos 50: Emilinha à direita, Marlene, à esquerda. Mas no público, embora haja preferências, o espírito é de paz. Embora de vez em quando percebam um saudável campeonato para quem bate mais palmas, as atrizes Vanessa Gerbelli, Stella Maria Rodrigues (que se revezam fazendo Emilinha) e Solange Badin (Marlene) contam que a recepção é afetuosa de senhores e senhoras de ambos os "lados", incluindo dos afiliados aos fãs-clubes "rivais", que se enfrentavam nas ruas décadas atrás."Estou vindo pela sétima vez. Sou marlenista, mando rezar missas para ela, mas adoro a Solange", dizia há duas semanas a dona de casa Lea Pimentel Matos "Borba", de 71 anos, com a camisa com a foto do fã-clube."A Marlene se sobressai, o que é normal, porque sempre foi mais arrojada. A Emilinha era sem sal, apagadinha", opinava o funcionário público Moiséis Carvalho, de 66 anos. "Não põe lenha na fogeira!", brincava a mulher dele, a aposentada Selma Alves, de 73. "O repertório da Emilinha é mais bonito, muitos boleros. Só acho uma pena que essas homenagens aconteçam quando as pessoas não estão mais aí."Ela se enganou. Marlene - que, de fato, é, na peça, um personagem mais interessante - não só está aí como esteve com o elenco - além das três atrizes, os atores-cantores que fazem outros personagens da rádio, além das duas irmãs que contam a história das cantoras relembrando a pinimba entre elas próprias."Marlene veio antes da estreia. Foi emocionante vê-la estando vestida como ela. Tenho certeza de que ainda virá para receber a homenagem", torce Solange, que vem de vários musicais bem-sucedidos e tem mais uma performance arrebatadora. Um dos desafios foi incorporar o "r" de época e do sotaque paulistano de Marlene, e reproduzir sua incrível expressão corporal. "As músicas têm muita força, muita atitude."De Marlene, são lembrados clássicos como Lata D'Água, Qui Nem Jiló, Mora na Filosofia, Brigas Nunca Mais; de Emilinha, marchas carnavalescas, como Chiquita Bacana, Tomara Que Chova e Mulata Bossa Nova e os famosos boleros - Se Queres Saber é um ponto alto de um repertório de mais de 50 canções, com músicos tocando ao vivo.Nostalgia. Vanessa acha que, para além de qualquer resquício de rivalidade, o que fica no ar é a nostalgia - são raras as pessoas com menos de 60 anos na plateia (o que é comum em vários espetáculos, musicais ou não, vide a tradicional figura da "velhinha que chega de van"). Ou seja, todos ali ouviram as duas vozes no rádio e conhecem suas histórias, nem que as memórias sejam de uma infância remota."Uma vez, na cena em que Emilinha está no hospital e acena para os fãs, algumas pessoas foram para a beira do palco entregar flores. Já tinham assistido e pensaram a situação cenicamente", conta a atriz, que penou para compor sua Emilinha enquanto já gravava a novela Vidas em Jogo, da Record. "Sofri por não poder ensaiar tanto quanto os outros."

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