Encontro de Frank Miller com Rafael Grampá vai ser um dos pontos altos da CCXP19

Em conversa com o público, dupla vai revelar detalhes do livro 'The Dark Knight Returns: The Golden Child'

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Por Ubiratan Brasil
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Um abraço afetuoso, nesta quarta-feira, 4, vai significar mais que o reencontro de dois amigos que não se veem desde julho - de uma certa forma, vai dar também o início informal da Comic Con Experience 2019, ou CCXP19, como já é conhecida uma das maiores celebrações da cultura pop do planeta e que começa na quinta, 5, em São Paulo. Sim, porque a troca de carinho envolve dois grandes nomes da festa: o desenhista brasileiro Rafael Grampá e o americano Frank Miller, um dos maiores criadores de histórias de HQ da atualidade. Eles vão conversar com o público no domingo, 8, último dia do evento, quando vão revelar detalhes de The Dark Knight Returns: The Golden Child, escrita por Miller e ilustrada por Grampá.

Grampá e Miller preparam surpresas Foto: Acervo Rafael Grampá

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O livro só será lançado nos EUA no dia 11, mas já causa furor entre os fãs na internet. Todos em busca das migalhas de informação que já foram divulgadas. “É um trabalho que dialoga diretamente e sem rodeios com a realidade do planeta”, conta o brasileiro, surpreendido, na semana passada, quando um dos quadrinhos da obra (exibindo o próprio Jonathan Kent, vestido como homem morcego, prestes a arremessar um coquetel molotov) foi adotado pelos revoltosos de Hong Kong

The Golden Child marca, depois de quatro anos, o retorno triunfante de Miller ao mundo do Cavaleiro das Trevas e o início da parceria com Grampá, cujo traço incisivo, violento, mas carregado de inteligência, despertou admiradores como o americano de 63 anos. “Rafael foi a escolha óbvia para eu apresentar a nova geração de heróis que são vigorosos e carregados de promessas”, diz ele. De fato, a tal “criança de ouro” é Jonathan Kent, filho do Super-Homem e da Mulher Maravilha. Sua irmã mais velha, Lara, herdou a disciplina amazônica da mãe, bem como os poderes criptonianos do pai. Jonathan era apenas um bebê há três anos e, embora ainda seja criança, ele se tornou agora uma presença poderosa.

Grampá, hoje com 41 anos, primeiro contatou Miller pelo Twitter, em 2014. “Entrei em um debate promovido por ele, mas, ao responder, Miller marcou todo mundo”, explica Grampá, cujo trabalho logo despertou atenção, pois o americano percebeu as qualidades de seu desenho e, principalmente, das intenções de seus enredos. “Como fã, busquei entender o traço dele para inserir no meu”, disse Grampá, cujo álbum Mesmo Delivery, com experiências gráficas inovadoras, abriu-lhe as portas para manter um contato constante com o americano. A ponto de Miller convidar Grampá para trabalhar no que seria The Golden Child. “Ele queria que eu me mudasse para Nova York. Não foi possível, mas viajei diversas vezes para lá”, relembra Grampá, cujos encontros no estúdio de Miller lhe permitiram entender qual seria a essência do novo álbum.

“Era 2017 e Miller queria retratar as diversas revoluções que explodiam no mundo”, conta o brasileiro, que fez o desenho de uma manifestação. “Miller gostou e disse que aquela seria a pedra fundamental do trabalho. Assim, comecei a desenvolver como seria Jonathan, seu corte de cabelo, a curvatura dos ombros. Também retrabalhei o perfil de Lara, acrescentando o S no seu peito. Para isso, precisei destruir meu traço para chegar no de Miller - não perdi minha personalidade artística, mas ganhei novos desafios. A partir de agora, vou sempre destruir meu traço antes de começar um novo trabalho.”

A personagem Batwoman desenhada por Rafael Grampá Foto: Acervo Rafael Grampá

A troca de mensagens entre os dois artistas tornou-se mais intensa, febril. A fim de conseguir terminar o trabalho, Grampá isolou-se no estúdio de um amigo em Amsterdã, na Holanda, onde só pensava em desenhar. “Miller pedia para que os quadrinhos revelassem esse anseio por liberdade que toma conta dos jovens no mundo. Afinal, nos momentos mais críticos da sociedade, são as HQs que inspiram os revoltosos. Primeiro foi o personagem do V de Vingança, agora é o Coringa.” Encerrados os desenhos, Grampá aguardou, ansioso, pelo roteiro de Miller. “É impactante”, diz ele. “Vai provocar mais polêmica, pois vai mexer com outra galera.” 

O trabalho nasceu da urgência - o brasileiro Rafael Grampá terminou os desenhos do livro de HQ The Dark Knight Returns: The Golden Child exatamente no dia 3 de outubro. E, no início de novembro, recebeu os diálogos criados pelo americano Frank Miller. O livro está previsto para sair nos EUA exatamente daqui uma semana, no dia 11 - ainda não há previsão para o Brasil. “Foi grande a emoção ao ler a história criada pelo Frank”, conta Grampá. “Nosso álbum é um rock’n’roll com algo novo. Traz elementos do primeiro Dark Knight, mas com mais frescor, especialmente pela influência desse momento conturbado em que vive o mundo hoje.”

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De fato, a dupla encerrou o trabalho o mais tarde possível para captar com mais vigor a pulsação do planeta. O discurso de figuras como a jovem ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que denuncia a ineficiência dos países no combate contra o aquecimento global, por exemplo, foi decisivo. “Nossa história traz um forte conteúdo político e conversa com esse acordar de pessoas que se destacam”, explica Grampá.

The Golden Child marca o retorno de Frank Miller ao fascinante universo do Cavaleiro das Trevas, cuja fase atual teve início em 1986, quando os fãs de quadrinhos do mundo inteiro se surpreenderam com um novo olhar para Batman. Aos 55 anos, o Homem Morcego interrompeu a aposentadoria para combater o crime, despertando a oposição da força policial de Gotham City e também do governo dos Estados Unidos. A história revelou Carrie Kelley como o novo Robin e culminou com um confronto contra o Superman.

O Cavaleiro das Trevas representou um divisor de águas no mundo dos quadrinhos ao lado de Watchmen, de Alan Moore (HQ publicada no mesmo ano) e Maus, de Art Spiegelman (1988), todas estabelecendo padrões para histórias adultas em um universo que se acreditava essencialmente juvenil. Assim, personagens consagrados foram remodelados, ganhando mais complexidade psicológica.

Miller publicou um segundo volume em 2001, The Dark Knight Strikes Again, que não emocionou a crítica, mas conquistou enorme sucesso comercial - o destaque aqui foi a transformação de Carrie Kelley em Batwoman. Em 2015, foi lançada The Dark Knight III: The Master Race, em nove edições. Aqui, o leitor passa a acompanhar a trajetória de Lara, filha do Superman e da Mulher Maravilha, de quem herdou os principais poderes e qualidades. Ali, Jonathan, irmão caçula de Lara, ainda era um bebê, embora já tivesse relevância por ser o motivo de uma batalha entre as amazonas e os criptonianos de Kandor.

Finalmente, em The Golden Child, o pequeno Jonathan assume também o protagonismo ao revelar um poder até então desconhecido e que será decisivo contra uma força do mal que volta a aterrorizar Gotham City - Lara Kent e Carrie Kelley (que já assumiu totalmente a identidade de Batwoman) descobrem a força do garoto e a utilizam no combate. “Ele tem poderes muito além da nossa compreensão”, conta Miller, em entrevista por e-mail ao Estado. “Sobre os irmãos, eu diria que Lara é a mais forte, enquanto Jonathan é o mais sábio.”

 

Batman

Questionado sobre a emoção de retornar a um personagem tão icônico como Batman, Miller não vacila: “Ele certamente é essencial, pois, juntamente com o Superman e da Mulher Maravilha, eles representam uma tríade de heróis aos quais gosto de voltar. Batman é aquele que assusta os outros, justamente por ser o personagem menos previsível”.

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Miller acompanhou e fez poucas sugestões na concepção gráfica dos super-heróis elaborada por Grampá. Sua admiração pelo trabalho do brasileiro, aliás, destrava a língua: “Eu queria trabalhar com Raf tão logo descobri seu trabalho - entre os novos talentos que surgiram, ele é o que mais me empolgou em muito tempo”.

O criador americano diz se sentir lisonjeado principalmente pelos filmes do Batman adaptados da série Cavaleiro das Trevas, o que comprova o vigor da narrativa criada por ele. Finalmente, Frank Miller revelou sua satisfação ao assistir Coringa e descobrir que o personagem carrega traços da forma que ele mostrou em O Cavaleiro das Trevas, ou seja, um homem que se transforma em assassino. “E Joaquin Phoenix foi uma excelente escolha.”

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