Encontro com o diretor Antoine Fuqua em sua ilha de edição

"O filme age no inconsciente do espectador pela maneira como organizamos as imagens", explica o cineasta

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Numa entrevista por Arthur, o diretor Antoine Fuqua contou ao repórter que sua maior preocupação na rodagem do épico sobre a origem do mito arthuriano era pela batalha do gelo. Salvou-o Roman Polanski. "Disse-me que estudasse a cena similar de Alexandre Nevski e meu problema estaria resolvido." Fuqua estudou seu Eisenstein, a cena saiu muito boa, o próprio filme é muito bom, mas essa é outra história. O repórter lembrou o episódio para o diretor ao visitar sua ilha de edição. Fuqua é um afro-americano de porte atlético. Teria physique du rôle para ser ator em Hollywood. Como diretor, associou-se a Denzel Washington em projetos bem- sucedidos, e por

Dia de Treinamento

o ator ganhou o Oscar.

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O novo filme da dupla é

O Protetor

. Fuqua mostrou duas cenas para um reduzido grupo de jornalistas no estúdio da Sony/Columbia, em Los Angeles. Ilustram seu estilo de edição - com o pé em Eisenstein. "O filme age no inconsciente do espectador pela maneira como organizamos as imagens. E é importante filmar já pensando essas imagens como peças de um tecido que será organizado pela montagem." Eisenstein poderia ter dito isso.

Na primeira cena mostrada, Denzel vai ao bar e, como faz toda noite, toma seu chá enquanto lê. O livro é

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O Velho e o Mar

, de Ernest Hemingway, e ele já comentou alguma coisa com a prostituta russa, Chloë Grace Moritz. Ela pergunta como está a pescaria de Santiago e é o pretexto para que falem de si. A garota é perspicaz, sabe que o homem solitário é viúvo. Capta a melancolia em seu olhar. O diálogo é conduzido com calma, movimentos tranquilos de câmera, planos longos, porque, como Fuqua observa, o importante é a interpretação dos atores e o que eles dizem. A outra cena é pauleira. Denzel viu Grace ser levada pelo cafetão russo. Vai ao QG do cara oferecer dinheiro em troca da garota. O russo despreza a oferta - você sabe como esses mafiosos russos são arrogantes, basta lembrar de

Senhores do Crime

(2007), de David Cronenberg.

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Ao entrar no covil dos lobos, o olhar do personagem registra o que cada integrante do bando está fazendo, onde estão e quais são suas armas. Oferta recusada, Denzel parece que vai sair, mas antes ajusta o cronômetro, 19 segundos. Mata um a um do bando, e ainda diz no ouvido do moribundo chefão que deveria ter aceitado a oferta. A cena é um exercício acelerado de montagem, mas, em vez de 19, Denzel consome 20 e poucos segundos. "Não faço storyboard no papel, mas faço mentalmente e discuto cada detalhe com o fotógrafo. É preciso filmar sabendo como cada fração de plano vai se encaixar na montagem. Imagens justapostas ganham assim novos significados", explica o diretor.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Isso que Antoine Fuqua diz, ou faz, tem nome na teoria de Eisenstein. Chama-se montagem de atrações. Algum crítico há de objetar que é diferente - em termos. Mesmo que algumas pessoas ainda considerem a escadaria de Odessa a cena mais influente do cinema, a obra, e a cena, foram concebidas como peças de propaganda para celebrar os 20 anos dos levantes de Odessa, que alicerçaram o caminho para 1917 na Rússia. Fuqua está fazendo um thriller, e com um astro de Hollywood. Puro cinemão. Impuro. Na lógica hollywoodiana, roteiros obedecem a relações de causa e efeito. Com Fuqua, as coisas complicam-se.

No encontro de Denzel com Melissa Leo, ficamos sabendo mais sobre esse homem e suas habilidades, mas o herói não consegue responder quando ela lhe pergunta por que iniciou uma guerra com os russos por causa da garota. Dá uma resposta vaga, que nada explica. Mais tarde, haverá um confronto entre Denzel e o criminoso russo. Sentam-se à mesa, avaliam-se. A cena remete a um diálogo de

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Livrai-nos do Mal

, de Scott Derrickson, entre o policial e o padre, quando Eric Bana e Edgar Ramirez falam do descalabro do mundo. O confronto em

O Protetor

é quase abstrato. O que o torna concreto é o realismo de cena e as ideias de montagem formuladas por um aristocrata russo que queria ser aceito como revolucionário. Um negro americano agora retoma essas ideias para desmontar a brutal criminalidade russa pós derrocada do comunismo. Muito interessante - e bem interpretado (por Denzel e Chloë).

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