Emygdio de Barros e Raphael Domingues ganham exposição no IMS

Artistas eram pacientes de Nise da Silveira e foram diagnosticados, muito jovens, com esquizofrenia

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Paralelamente à mostra de Bispo do Rosário em Londres, o Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro abriga, desde o dia 14, uma exposição que reúne cem obras de dois outros grandes artistas esquizofrênicos, Raphael Domingues (1912-1979) e Emygdio de Barros (1895-1986). Ambos frequentaram o ateliê de artes do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação mantido no Centro Psiquiátrico Nacional, hoje Instituto Municipal Nise da Silveira, em homenagem à psiquiatra que criou a divisão como alternativa para os procedimentos agressivos aplicados nos anos 1940 em doentes mentais, como lobotomia, choque elétrico e injeções de insulina.O trabalho de ateliê no Centro, localizado no bairro carioca de Engenho de Dentro, tinha como meta fornecer subsídios para o tratamento desses pacientes. A médica Nise da Silveira (1905-1999), marcada pelas teorias de Jung, queria não só estimular o convívio entre os doentes como desenvolver uma relação afetiva entre eles, além, é claro, de melhorar a autoestima dos confinados. Raphael e Emygdio chegaram a conviver nesse ateliê em seus primórdios. Ambos foram diagnosticados muito jovens como esquizofrênicos. Graças ao apoio do pintor Almir Mavigner, monitor do ateliê, eles se tornaram nomes de referência em ensaios críticos que estabelecem relações entre modernidade e insanidade mental.Entre os que se dedicaram a esses estudos não estavam só críticos de arte como Mário Pedrosa. Jung foi um dos homens de ciência que se interessaram pelo trabalho de Nise da Silveira quando ela decidiu criar o Museu das Imagens do Inconsciente, em 1952, chegando mesmo a convidar a médica para participar do 2.º Congresso Internacional de Psiquiatria (1957) em Zurique.A exposição Raphael e Emygdio: Dois Modernos no Engenho de Dentro, com curadoria de Heloísa Espada e Rodrigo Naves, não despreza o papel que a arte de crianças e doentes mentais têm na história do modernismo, mas destaca a autonomia da produção artística desses dois nomes que poderiam figurar entre os integrantes de importantes movimentos modernos sem a menor concessão. Raphael, lembra a curadora Heloísa Espada, chegou a ser comparado por críticos a Matisse - e, de fato, a delicadeza de seu traço justifica essa proximidade. A intensidade das cores de Emygdio, segundo o crítico Rodrigo Naves, guarda semelhança com o cromatismo dos expressionistas alemães - Kirchner, especialmente-, mas sua visão, ainda de acordo com o curador, "talvez seja mais realista".Se a condição psíquica dos dois artistas impediu a aproximação com movimentos que se desenvolviam dentro e fora do País na época em que produziam obras artísticas - Raphael começou com 15 anos, em 1927, logo trocando a figuração por grafismos -, isso não impediu que seus trabalhos dialogassem, ainda que à distância, com o que melhor se produzia na modernidade. Pintores como Paul Klee, lembra a curadora Heloísa Espada, eram fascinados pela arte dos doentes mentais, identificada pelo suíço com a busca de traços artísticos essenciais que só crianças e insanos seriam capazes de expressar. Tanto é verdadeira a observação de Klee que o compromisso com a representação fiel (tridimensional) inexiste em ambos os casos. Os objetos e a natureza são apenas pretextos para o desenho e a pintura.Em seu ensaio sobre a obra de Emygdio de Barros, o curador Rodrigo Naves, após examinar as soluções pictóricas do pintor em relação às de Matisse, Munch e dos expressionistas, conclui que o comedimento do pintor no uso das cores revela sua formação num contexto social hostil que, paradoxalmente, o levou a buscar harmonia por meio de uma intensidade cromática não ilusionista como a dos expressionistas. Naves cita como exemplo o contraste entre a paz interior de um homem trabalhando em seu ateliê e a paisagem em movimento desestabilizador vista através da janela numa de suas telas. O Instituto Moreira Salles segue até 7 de outubro com a exposição Raphael e Emygdio em sua sede carioca (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea). O catálogo da mostra está à venda em todas as lojas do IMS por R$ 85.

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