Embarque imediato: À La Garçonne aponta um futuro em que reaproveitar é tendência

Marca desenhada por Alexandre Herchcovitch desfila na noite desta segunda, no Centro Cultural São Paulo, coleção que mixa náutica, esportes e anos 70

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Por Sergio Amaral
Atualização:

Em meio a um período de águas turbulentas na moda (e no País), com marcas renomadas em crise identitária e semanas de moda  respeitadas lutando para se manterem relevantes, o desfile da À La Garçonne é uma espécie de porto seguro. Desenhada pelo estilista Alexandre Herchcovitch sob a direção criativa de Fabio Souza, a marca desfila na noite desta segunda, no Centro Cultural São Paulo, sua mais nova coleção. “É uma oportunidade de aproximarmos a moda da cidade”, conta Herchcovitch, que na entrevista a seguir sugere um futuro com menos consumo,  conta mais da coleção, dos novos momentos da marca, da moda e do País. 

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Falem um pouco da coleção?Alexandre. Esta é a primeira em que já temos a outra marca, a ÀLG. Nesse desfile fica nítida a vocação de cada uma delas. Há um ar retrô forte, anos 70, esporte e náutica. Os códigos da À La Garçonne aparecem de forma mais sutil e olhando para novos caminhos.Fabio. As marcas se distanciam. Aqui é alfaiataria, são roupas mais estruturadas, que demoram mais tempo de máquina e de pensamento.

Tem um retorno às raízes da marca, que surgiu com um trabalho de upcycling que acabou ficando menos evidente? Alexandre. O upcycling é um dos nossos pilares. Nesta coleção há um aprofundamento deste tema seja em reaproveitamento de peças e tecidos usados ou até mesmo de ideias e modelagens que consideramos upciclyng mental.

Dois looks da nova coleção da À La Garçonne, que desfila na noite da segunda, 18, seu mix de anos 70, esportes radicais e elementos náuticos Foto: Zé Takahashi

Você, Alexandre, tem se posicionado enfaticamente em relação à política nas redes. De que forma seu trabalho se relaciona com essas questões? Alexandre. Gênero, sexualidade e igualdade são assuntos que sempre coloquei naturalmente em minhas discussões pessoais ou profissionais. Não acredito que a discussão hoje seja política. Ela é moral e ética. Valores estão revirados e os direitos só são para alguns. A luta está dobrada porém nossa força também. Precisamos mostrar que cada pessoa pode ser única, com vontades e desejos inquestionáveis sobre seu gênero, preferências e tudo aquilo que a faz ser singular. O intolerável é a intolerância contra escolhas pessoais. Somos todos iguais.

Teme essa onda conservadora e o radical que se vê nas redes? Alexandre. Há dois lados. O bom é que todos os assuntos saíram debaixo do tapete e estão no ar fazendo com que debatamos os mesmos. Não há mais lugar para intolerância e piadinhas.

As últimas coleções tinham uma ligação com cinema, muito pela parceria com a Universal. Qual o recorte da vez?  Alexandre. Usando de toda minha sinceridade - não sei ser diferente disso - , é uma questão de oportunidade ligada aos desejos da marca e do dono dela (Fabio Souza). Temos um contrato que nos permite usar livremente os guides de seus filmes e personagens. Há mais de dois anos já havíamos previsto que personagens iríamos usar em 2018, 2019 e 2020, e isso influenciou o andamento de todas as coleções. O Gato Felix é a personagem que estamos usando nesta coleção.Fabio. É um personagem dos anos 30, que tem a ver com a nossa ligação com o negócio vintage, usamos só os traços mais antigos dele.

Falando do mercado brasileiro, há marcas grandes  atravessando momentos difíceis nos negócios e na criação. O que aconteceu? Alexandre. Vivemos um momento engraçado onde parece haver uma competição de quem faz melhor a mesma coisa. Exemplo: os ugly shoes. Encontramos em todas as marcas e a qualquer preço. 

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As semanas de moda tradicionais também parecem sofrer...  Alexandre. Sobre semanas de moda em geral, acredito que as marcas sempre foram mais fortes, mas as semanas de moda custaram a acreditar neste fato. As marcas seguem seu próprio calendário, lançando quando é bom para o seu cliente e não para a organização de uma semana. Falta estudo sobre o consumidor e mercado.

Que conselho daria à nova geração de estilistas daqui? Alexandre. Não entrar nessa de se inspirar ou copiar o que está acontecendo. Neste momento o que interessa são ideias novas mais do que um bom acabamento ou uma outra versão do que já foi visto. Meu conselho é não abrir marca própria no início e sim trabalhar para alguém, adquirir conhecimento criativo e administrativo e, se mesmo assim não se realizar pessoalmente, aí sim tente abrir sua marca.

Qual o futuro da moda num mundo cada vez mais preocupado com sustentabilidade? Alexandre. Consumir menos e mais assertivamente. Dar preferência a roupas de qualidade que durarão mais e que são atemporais. Roupas usadas não carregam energia dos mortos. Mesmo porque não sabemos se essa ou aquela roupa usada veio de alguém que morreu ou simplesmente de alguém que não quer mais aquela peça. Portanto, consumam roupas usadas, o mesmo serve para móveis e utensílios domésticos.

Fabio Souza, dono e diretor criativo da À La Garçonne, com o estilista Alexandre Herchcovitch, no desfile da marca ÀLG, em fevereiro deste ano na Mooca Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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