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''Em viagem a Tulum, eu fui o câmera de Fellini''

Milo Manara,desenhista

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Aos 65 anos, Milo Manara, nativo de Luson, Bolzano, ex-estudante de arquitetura, chega ao Brasil como um dos maiores artistas do século na arte dos quadrinhos. Ele concedeu entrevista exclusiva ao Estado.Como foi a experiência de trabalhar com Hugo Pratt?Hugo foi meu amigo, meu mentor, meu colega. Todas as coisas juntas, e ainda mais. Jamais esquecerei minha afeição por ele, como a gente curtia minhas histórias de Giuseppe Bergman, por exemplo. Trabalhar com ele foi muito fácil, eu amei sobretudo o trabalho no álbum Verão Índio, não somente pela abordagem fantástica, mas também porque, com essa história, eu pude abandonar um estilo de desenho que já não me servia mais.Também Jodorowsky foi parceiro importante. Seus trabalhos com ele parecem requerer maior documentação, não?O mundo todo conhece o talento de contador de histórias de Jodorowsky, e os cenários de Bórgia que eu utilizo são sempre muito detalhados, sobretudo para realçar as cenas um pouco mais fortes. Sempre amei o trabalho de documentação visual, me nutro de livros históricos e publicações específicas sobre os períodos que me interessam, além das plantas e animais. Para Bórgia, para ficar fiel à ambientação histórica, tive de recuperar obras sobre o período e aquela família. Hoje, com a internet, é tudo mais fácil, e meu desejo de documentação se satisfaz plenamente.O sr. fez, com Fellini, o álbum Viagem a Tulum. Esteve em Tulum? É importante para o sr. conhecer as edificações, as paisagens que vai retratar?Infelizmente, nunca fui a Tulum. Toda essa viagem foi feita pelo Fellini, que tinha uma forte memória visual, e me preparou cenários muito completos. Ele desenhava também, fazia storyboards. Tínhamos um acordo implícito: ele era o cineasta, e eu era seu "câmera".Como o sr. analisa essa sua entrada no universo dos super-heróis, desenhando os X-Men?Para mim, desenhar é sempre um prazer, e no meu trabalho eu sempre amei mudar e experimentar os novos desafios de como me exprimir com personagens diferentes. Quando a Marvel me propôs realizar uma história com as X-Girls, eu achei a ideia fascinante, e mesmo nunca tendo trabalhado para o mercado americano, me senti muito contente. Espero que os leitores norte-americanos também possam se sentir felizes com minhas X-Girls.A maneira que o sr. desenha mulheres muitas vezes parece provocação. Histórias como O Clic, por exemplo. Nunca teve problemas com as feministas?Ao contrário, há um monte de mulheres entre meus admiradores, eu posso mesmo dizer que elas são maioria. Com efeito, muitas garotas adoram meus desenhos e eu as encontro nos festivais, palestras, sessões de autógrafos. Não sei ao certo por que tenho sucesso, mas pode ser que elas se sintam bem representadas em minhas histórias, que elas compreendam que eu desenho mulheres com respeito. De toda maneira, minhas heroínas são sempre mulheres à frente de todos os estereótipos, não submissas, independentes. No Clic, justamente, somente um artifício tecnológico que os homens carregam é que pode condicionar a vontade de uma mulher. Até então, ela os recusava. No meu erotismo, a mulher é sempre um sujeito sexual, mais que um objeto.Em Bórgia, o sr. analisa temas controversos, como o poder da Igreja e o incesto. Que repercussão causou nos homens da Igreja? O sr. pensa que é hoje mais fácil abordar esse tipo de tema?De jeito nenhum, eu creio que a situação neste momento é muito mais pesada do que nos anos 70 ou 80. Mas, felizmente, eu jamais tive grandes problemas com a censura. Compreendo sempre que um editor pode ter necessidades diferentes, e busco um equilíbrio entre suas demandas e aquilo que vou desenhar. A única censura verdadeira que eu tive foi na África do Sul, nos tempos do apartheid, quando minhas histórias de Giuseppe Berman não puderam ser publicadas. Mas dessa censura "política" eu tenho orgulho.

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