Acabamento. Vi uma foto da última manifestação gigante contra a Dilma em que aparece um cartaz com a frase “Cadeia é pouco, fuzilamento já”. Não eram necessárias mais do que duas pessoas para carregar o cartaz, que, talvez, só expressasse o sentimento ou o desejo delas, em meio a uma maioria que protestava em paz e não pedia sangue. Mas era notável o bom acabamento do cartaz. Seu conteúdo não era uma frase raivosa pichada numa faixa de pano para levar na passeata. Era um cartaz bem pensado, executado com esmero, em duas cores, coisa de profis. Me lembrei da época da eleição do Collor em que eu recebia cartas anônimas de pessoas descontentes com minha opinião sobre o candidato. E o que mais me impressionava não era a ameaça do que fariam comigo e com meus filhos, era a qualidade das cartas. Bem escritas, em bom papel, sem um erro gramatical que denunciasse um autor energúmeno, até inspiradas na descrição da variedade do que fariam conosco. E, mais assustador do que os castigos anunciados, para mim, era aquele acabamento caprichado das cartas. Uma pessoa letrada, com uma noção de estilo literário e layout gráfico, pensara no que iria escrever, escolhera as barbaridades com que nos intimidariam, selecionara criteriosamente um envelope fino – e, dentro do envelope, vinha puro ódio. Ingenuidade minha, a de pensar que o bom gosto previne o instinto assassino, ou que pessoas civilizadas são imunes ao ódio.
Mais assustador do que o bom acabamento, claro, é pensar que o que dizia no cartaz era a vontade de mais do que as duas pessoas que o carregavam.