Artistas usam criatividade e ampliam área de atuação na quarentena

Para fazer do período de isolamento social um período mais produtivos, eles aproveitaram para criar projetos ou descobrir novas habilidades

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Foto do author Levy Teles
Por Levy Teles
Atualização:

Wallace Cardozo, ou apenas Wall, alcunha que usa como rapper, tinha planos ambiciosos para este 2020. Ele tinha acabado de lançar seu primeiro grande projeto pessoal, o EP EHLO. Mas tinha uma pandemia no meio do caminho. O trabalho, composto e produzido por ele, chegou a ser lançado, mas alguns outros produtos tiveram de ser cancelados por causa da quarentena. Há três meses em casa, Wall e outros artistas independentes acabaram transformando a espera em experimentação, produção e estudo para novos projetos. 

A ilustradora Olívia Ribeiro foi aprender novas técnicas Foto: Arquivo pessoal

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“Eu sempre fui muito do faça você mesmo. Eu gosto de saber um pouco de tudo, acho isso importante”, conta o rapper. Para a produção do EP, comprou equipamento para trabalhar em casa, aprendeu os fundamentos de produção musical do zero e botou a mão na massa. A decisão, tomada antes da pandemia, fez que com que parte da produção continuasse mesmo com o isolamento. Em maio, lançou No Hype, do Rap, música em que discute o propósito do rap enquanto movimento artístico. Com as técnicas que aprendeu de fotografia e audiovisual, fez um clipe em que mostra um pouco de sua vida, em casa.

“Eu sabia que em algum momento da pandemia, do isolamento, eu ia sentir vontade de lançar e gravar alguma coisa”, diz Wall. Para ele, o momento de isolamento é um momento de estimular o ‘faça você mesmo’ e de seguir no aprendizado. 

Para além de suas próprias especialidades, alguns decidiram experimentar novas técnicas e aprendizados. Olívia Ribeiro, ilustradora, também atuava com direção de arte para clipes musicais, e conta que está aproveitando para produzir para si mesma e desenvolver novas técnicas.

O rapper Wall produziu e editou sua música e seu videoclipe Foto: Jéssica Barreto

Ela conta que o isolamento não mudou muito a rotina de trabalho. Suas obras são feitas de forma manual e o espaço em casa possibilita que ela siga em produção. “O que me entristece é que a rua era muito um espaço criativo”, lamenta. No momento, além de usar mais o nanquim na composição, Olívia passou a aprender mais sobre cerâmica. O ideal num momento de quarentena, para ela, é sempre manter a cabeça em foco. 

Algo que Taciana Bastos, atriz, vem tentando. Seu principal ofício, a atuação, teve de ser interrompido. Sua companhia teatral, a Cia. Gargarejo, estava com performances no Sesc Belenzinho antes da quarentena. Agora, ela tenta se reinventar. Seu conhecimento em dança afro abriu caminho para que ela ministrasse aulas online sobre o tema, uma forma de manter uma renda e seguir com o corpo em atividade. “Estou jogando a ansiedade que sinto no corpo e crio coreografias”, diz. Além da dança, Taciana dedica parte de seu tempo para ilustrações, que ela divulga pelo Instagram @bombadehidrogenio. 

Auxílio

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Apesar das soluções criativas, músicos e atores ainda devem encontrar dificuldades financeiras pelos próximos meses, por causa das medidas de distanciamento social. Eles acreditam, no entanto, que depois da tempestade pode vir a calmaria – mesmo que a longo prazo. “A história nos mostra que todos os grandes eventos culturais e áreas da cultura desabrocharam depois de grandes crises econômicas”, avalia o ator Odilon Wagner, que criou o fundo Marlene Colé com a Associação dos Produtores Teatrais Independentes (APTI) para auxiliar a cadeia de produção artística. “É o caso da Broadway, do MoMA de Nova York. Haverá a necessidade de ver caminhos do belo, da alegria, da vida. Acredito que passaremos por um período muito fértil quando sairmos desse momento.”

O fundo Marlene Colé já existia há quatro anos, mas teve sua atuação ampliada. O projeto distribui auxílio-alimentação de R$ 500 para um grupo mais vulnerável de profissionais e cestas básicas no valor de aproximadamente R$ 200 para os demais. “A dificuldade é brutal. Eles (os trabalhadores da cadeia artística) têm que partir para outro tipo de sobrevivência”, afirma Odilon. “A gente não tem muita diferença do mercado em geral. Estamos passando pela mesma recessão e crise, acrescido do fato que no nosso setor vai ser muito difícil o retorno.”

Enquanto a quarentena continua, a sugestão é seguir em produção. “O importante no momento é não desaparecer, não sumir. O único meio que a gente tem para se botar no mundo é a internet e tem pessoas sumindo por não conseguirem produzir”, avalia a musicista Jadsa. Para ela, a situação pode ser uma chance para chamar a atenção do público. 

Ela tem dois álbuns para lançar nas próximas semanas: Olho de Vidro e Taxidermia. Ambos gravados antes da pandemia, o primeiro é um trabalho em parceria com a Natura Musical, enquanto o último é um projeto tocado com o DJ João Meireles, da banda BaianaSystem. 

Para a musicista Jadsa, o importante neste momento é "não desaparecer, não sumir" Foto: Rafaela Piccin

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Seguindo a onda de criar múltiplas especialidades, ela trabalhou na direção e edição de fotos de Taxidermia. “A quarentena me forçou a ser mais. A procurar ser mais e não sumir.”

Com lançamento previsto para o dia 14, Jadsa pretende lançar as músicas de Taxidermia na plataforma Bandicamp, na qual os usuários precisam comprar a faixa para ouvir. Para ela, o retorno vindo das principais plataformas de streaming ainda é mínimo. “As pessoas estão muito acomodadas no streaming. A gente quer dar quase que um puxão de orelha para o nosso público. Um aviso que a gente precisa viver, comer”, pontua.

Documentário colaborativo

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As limitações impostas pela quarentena acabaram se transformando em material para uma série documental. O jornalista Gustavo Girotto produziu nesse período seu primeiro documentário, A tirania da Minúscula Coroa: Covid-19, para falar sobre como a pandemia afetou diversos setores da sociedade, incluindo a arte. Com episódios lançados semanalmente no canal Via D’Idea no YouTube, o trabalho foi feito com a ajuda dos próprios entrevistados – como o ator Odilon Wagner e o maestro João Carlos Martins –, que coletaram os depoimentos, gravados em casa. 

Durante a produção da série, Girotto fala que surgiu uma “corrente do bem”: “A gente não tinha banco de imagens. Recebemos uma doação inteira de um youtuber e uma corrente de pessoas que nos ajudaram com redes sociais e nas legendas de episódios. Tem uma cadeia de pessoas que se envolveram que é bacana”, conta.

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