PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Em comum

No século 17, um filólogo afirmou que no Jardim do Éden Deus falava sueco e a serpente, francês

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

O homem é o único animal que fala pela mesma razão que é o único animal que se engasga. Algo a ver com a localização da laringe. Ou é da faringe? Enfim, algo no homem lhe dá o dom da expressão verbal que nenhum bicho tem, mas os bichos, em compensação, nunca se veem na situação embaraçosa de dizer o que não deviam ou se engasgar na mesa. O fato também sugere uma questão: foi a necessidade que o homem - ou, mais provavelmente, a mulher - sentiu de falar que determinou a eventual localização privilegiada da laringe, ou foi o acaso da laringe humana evoluir como evoluiu que determinou a fala? O ser humano desenvolveu a fala por um acidente anatômico e assim virou gente ou a linguagem foi uma etapa lógica da sua evolução, porque para ser gente só faltava falar?

PUBLICIDADE

O próprio Darwin chegou a especular que a fala começou como pantomima, com os órgãos vocais inconscientemente tentando imitar os gestos das mãos. A linguagem oral teria se desenvolvido porque, antes da invenção do fogo, a linguagem gestual não era vista no escuro e as pessoas, ou as pré-pessoas, não podiam se comunicar. A linguagem é filha da noite!

Teorias estranhas sobre a origem da linguagem não faltam. No século 17, um filólogo sueco afirmou com certeza que no Jardim do Éden Deus falava sueco, Adão falava dinamarquês e a serpente falava francês. (Sempre a má vontade com os franceses.) Na sua infância - a palavra “infância”, por sinal, vem do latim “incapacidade de falar” -, a humanidade não produzia palavras, mas, certamente, produzia sons, e uma das teorias sobre o nascimento de fonemas é que o ser humano teria começado a imitar os sons dos animais para identificá-los e que esta foi a última vez em que o mundo teve uma linguagem comum. Foi chamada de “teoria bow wow”, e o nome já a desmentia, pois “bow wow” é como latem os cachorros anglo-saxões, enquanto os luso-brasileiros fazem “au-au” e os japoneses, segundo os japoneses, “bau-bau”.

A única linguagem comum a toda a humanidade é a dos ruídos involuntários do nosso corpo. Toda a espécie humana espirra e tosse da mesma maneira, não há como variar a pronúncia de um arroto e nada simboliza melhor a nossa igualdade intrínseca do que o pum, que todos dão da mesma maneira, não importa o que digam do pum alemão. Eis uma receita para o entendimento, inclusive entre os grupos e facções em choque no Brasil de hoje, esquerda x direita, políticos x Lava Jato, etc. Todos os confrontos entre partes litigantes deveriam começar com um coro de ruídos elementares, para enfatizar nossa humanidade em comum. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.