Em busca do sentido da poesia

Registro Words & The World, editado pelo principal poeta chinês vivo, Bei Dao, e lançado pela editora da Chinese University, de Hong Kong. O título As Palavras e o Mundo o explica: ele é produto do segundo encontro de poetas realizado na cidade de Hong Kong, na China, há menos de dois meses. O livro traz textos de 20 autores em suas línguas originais, em inglês e em mandarim. Há vários dialetos falados na China (o cantonês, o sichuanês e o hakka, por exemplo), entretanto, o mandarim, ele mesmo um dialeto também, é adotado como o idioma oficial pelo governo. O chinês, em seu conjunto, é falado por um sexto dos habitantes do mundo, embora não tenha o poder do inglês e a difusão do espanhol. Nestes termos, assemelha-se ao hindi (Índia), que, com 565 milhões de falantes nativos, é o segundo idioma do globo. Participei desse encontro, ao lado de alguns estrangeiros. O japonês Shuntaro Tanikawa e o russo Arkadii Dragomoshenko são dois dos destaques do volume, que se torna atraente pela presença de poetas de Taiwan, Hong Kong, Macau e, sobretudo, da China continental. Há diferenças de compreensão do conceito de poesia e de poema entre os chineses e os ocidentais. Ao contrário do que se imagina, há vários poemas duros, registrando uma experiência imediata. Os chineses são, ao mesmo tempo, literais e indiretos, no sentido metafórico. Um dos poetas constantes do volume é Xi Chuan, de Pequim. No poema Agosto, por exemplo, ele trabalha com os traços acima descritos. Para falar das enchentes do verão, diz: "O mês de agosto são os olhos dos peixes/ mortos na terra depois de uma inundação". Um dos poetas mais interessantes é Yu Jian. A contrariar as expectativas ocidentais sobre a poesia chinesa, escreve, na peça intitulada A Respeito da Rosa: "e também quero ofertar germes à rosa, imundície à ave". Relaciono alguns dos nomes que compõem o livro, além dos já citados: Lo Chih Cheng, Chen Ko Hua e Ling Yu, de Taiwan, Yu Chiang e Yo Xiang, do continente, além de Yao Feng, de Macau, e Yip Fai e Wong Leung Wo, de Hong Kong, que, embora seja conhecida como a cidade do luxo no Oriente, tem um museu de arte com 15 mil trabalhos e políticas de educação formal superior hoje às de vários países europeus. As tópicas da democracia e da liberdade de expressão estão presentes em vários autores. Entretanto, quero sublinhar um fenômeno novo da cultura chinesa. A partir de Deng Xiao Ping (1989), com a abertura da China ao mundo, os poetas chineses começaram a trocar, em parte, seus modelos tradicionais por modelos do Ocidente, sobretudo, anglo-americanos e europeus, como T.S. Eliot. Essa invasão ocidental faz Charles Baudelaire ser lido ao mesmo tempo que o sueco Tomas Tranströmer, que recebeu o Prêmio Nobel ano passado. É também já um dos efeitos da internet, que cria - para todas as literaturas - uma "destradição", uma não tradição, embaralhando a dureza da história real. O crítico literário Paulo Franchetti definiu, com acerto, a influência da internet na atual poesia brasileira, o que vale, sob certos ângulos, para a chinesa: "Agora, a tradição é um simulacro. O conhecimento dos topoi está morto ou não é compartilhado pelo leitor disponível. Ao mesmo tempo, a internet altera a forma da produção e da leitura, multiplicando as referências intertextuais colhidas no Google, ao sabor da bolsa de valores da cultura". No entanto, na China, ao contrário do Brasil, as leituras simultâneas de poetas ocidentais de períodos distintos, se dão menos como complacência e mais como desafio. Bei Dao, que esteve exilado por dez anos de seu país, resume a situação, no prefácio: "É preciso indagar de novo o que é poesia e o que ela pode oferecer em um mundo tomado pela linguagem da internet e do entretenimento, tomado por lixo linguístico, em uma era de perda de valores culturais". Algumas possibilidades de resposta à questão podem ser lidas nesse livro surpreendente.  

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Por Régis Bonvicino
Atualização:

RÉGIS BONVICINO É ESCRITOR, AUTOR DE ENTRE OUTROS, ATÉ AGORA (IMPRENSA OFICIAL) E DIRETOR DA REVISTA SIBILA (HTTP://SIBILA.COM.BR)

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