PUBLICIDADE

Eles moram sozinhos, e contam como tem sido a experiência do isolamento

Práticas de autocuidado incluem filmes, livros, Agatha Christie, exercícios, plantas e novos hobbies

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

Não é simples contradizer a fina sabedoria de um mestre como Tom Jobim, mas, embora existam coisas que só o coração pode entender, é possível, sim, ser feliz sozinho. Vou te contar...

PUBLICIDADE

Com a experiência acumulada de um ano pandêmico, pessoas que moram sozinhas aprenderam a viver em paz (dentro do possível em um cenário como o nosso), inventaram distrações, criaram hobbies, se engajaram em estudos ou no trabalho.

O ator e diretor de teatro Orias Elias, 62 anos, venceu o tédio dos dias repetidos dentro do apartamento na companhia de filmes e livros. O acervo de clássicos americanos dos anos 50, como Palavras ao Vento (com Rock Hudson e Lauren Bacall) e os filmes noir com Humphrey Bogart são os preferidos de Elias. 

Orias Elias vê filmes clássicos e conversa com Cheeba, sua fox paulistinha Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Adoro o cinema americano, os melodramas e os filmes mais leves. Preparo o ambiente e passo um bom tempo com meus filmes”, falou Elias. Além dos filmes, Orias investiu na compra de 25 livros da Agatha Christie, autora de romances policiais. “Não deixar esse momento da nossa vida dramático tem relação com valorizar o que se tem, com o cultivo de pequenos hábitos que nos trazem conforto”, completou.

De casa, Orias produz conteúdos para o YouTube, decora textos para futuros espetáculos e conversa muito ao telefone com amigos e colegas de trabalho. Ainda assim, se a solidão bate um pouco mais forte, ele tem a Cheeba para consolá-lo. “É uma fox paulistinha de 12 anos. É um ser vivo com quem converso e tenho cuidados. É uma companhia que ajuda muito neste período”, confessou. Quando a necessidade de “respirar” se faz presente, Orias sobe para o terraço do prédio onde mora – onde faz exercícios, toma sol e aprecia a paisagem.

A publicitária Luana Rodrigues Segatto, 32 anos, mora sozinha e neste período pandêmico encontrou no próprio apartamento razões para se sentir bem. “No começo da pandemia, existia essa sensação de viver uma mini férias, mas com o tempo passando, e a pandemia se agravando, fui entendendo que a vida não poderia parar”, disse Luana.

Luana começou a criar uma relação com seu apartamento. Ela encontrou formas de se identificar mais com o ambiente em que vive. “Enchi a casa de plantas. Busquei encontrar prazer em pequenas coisas. Minha casa ficou mais viva”, afirmou. 

Publicidade

Outra estratégia de Luana foi criar uma rotina que envolve acordar no mesmo horário, preparar seu café da manhã, cozinhar, fazer pausas no trabalho, se exercitar e acompanhar aulas de dança online. “A convivência comigo mesma tem sido uma descoberta muito boa. Também sou solteira. E isso ajuda neste momento. É um processo de autoconhecimento”, comentou. 

Luana Segatto passou a ter uma outra relação com sua casa, que ficou mais viva com as novas plantas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Morar sozinho, e se sentir bem com isso, não é um privilégio dos mais jovens. O aposentado gaúcho Zózimo Luís de Oliveira Padilha, 87 anos, mora sozinho desde que perdeu a companheira de uma vida inteira, a Yara (com quem foi casado por 62 anos). “Depois de morar com a mulher que morei, não teria coragem de dividir uma casa com mais ninguém”, confessou.

Embora conte com todo apoio da família, Padilha preferiu morar sozinho – mesmo com as dificuldades de um ano de pandemia. É torcedor do Grêmio e leitor de livros espíritas e de obras de escritores como Isabel Allende e Gabriel García Márquez. “Eu me mantenho informado, atualizado e estou sempre em contato com as minhas filhas”, disse. “Já tomei as duas vacinas, mas continuo tomando todos os cuidados. Faço exercícios, ando pelo condomínio, e bebo muita água. “Faço tudo para estar bem e lúcido”, completou.

Padilha contou que as aulas de informática foram fundamentais para o sucesso do seu isolamento. “Tive essa sorte de aprender a mexer em tudo. Eu tive até Orkut, lembra dele. Hoje, tenho Instagram e fico ligado em tudo”, afirmou.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Já a gestora de projetos Bia Ferreira, 39 anos, vive em um apartamento de 30 m² no Catete, no Rio de Janeiro. No começo da pandemia, ela viu três trabalhos irem por água abaixo. “No início, eu me senti sozinha e com medo. Mas percebi que tinha algum dinheiro guardado e poderia me organizar. Comecei a imaginar novos projetos”, contou.

Sozinha em casa, viu o impulso criativo e o trabalho aumentarem. Emplacou projetos de marketing político e de caráter social – transformando-se em sócia de uma empresa. “Tenho trabalhado muito, fiz novos amigos e consegui manter minha saúde mental. Muitas portas foram abertas. Mesmo morando sozinha, tenho a sensação que estamos vivendo 20 anos em um”, lembrou.

O advogado Thiago Bernardo da Silva, 36 anos, também tem se virado bem no período. O segredo dele é manter uma certa rotina e evitar as armadilhas de “dormir depois do almoço” ou de “beber quase todos os dias”. Thiago tem acompanhado o noticiário sobre a covid de forma controlada e tentando não se expor excessivamente às más notícias. “Tento zerar a ansiedade e as preocupações. Faço exercícios, estudo inglês e mantenho contato profissional e com os amigos por telefone e meios digitais. Fora ter aprendido a cozinhar, assistir Netflix, Amazon...”, enumerou.

Publicidade

Mas o segredo para viver em paz sozinho foi ter descoberto um hobby. “Comprei uma vitrola e agora fico escutando discos de jazz, blues, MPB... Penso em coisas positivas e tento relaxar”, disse. Os discos e a distração ajudaram quando, no Natal, Bernardo pegou covid. “Claro, tive meus momentos de negatividade. Não recomendo, mas fui melhorando aos poucos e hoje estou muito bem”, completou. 

Autocuidado na pandemia

Em altaCultura
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

A psicóloga Desirée da Cruz Cassado, da The School of Life, aponta que “viver sozinho é diferente de ser sozinho”. “Sabemos que as pessoas estão mais vulneráveis, que somos seres gregários e que regulamos nossos comportamentos a partir do olhar do outro”, disse.

Para Desirée, as pessoas que moram sozinhas e estão passando bem por esse período pandêmico são “competentes em se ‘regular’ por elas mesmas, são pessoas que conseguem se engajar em comportamentos de autocuidado mesmo sem um grupo por perto”, disse.

A psicóloga completa dizendo que “as pessoas estão podendo olhar mais para dentro delas mesmas”. “A nossa atenção, antes da pandemia, se dividia entre as coisas de dentro e as coisa de fora. Agora, nosso pêndulo está para dentro, estamos cultivando a solitude e a boa introspecção”, afirmou. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.