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Elenco de Rei Lear ensaia à exaustão para estrear

Por Agencia Estado
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Apesar do dia ensolarado, faz muito frio no interior do Teatro Escola Célia Helena, no bairro da Liberdade, centro de São Paulo. Ali, sob direção de Ron Daniels, o elenco da montagem de Rei Lear, de Shakespeare, protagonizada por Raul Cortez, passa tardes e noites em exaustivos ensaios. A menos de um mês da estréia - prevista para o dia 24 no Sesc Vila Mariana -, o diretor não dá descanso aos atores. Entre eles, Lígia Cortez, Lu Grimaldi e Bianca Castanho, incumbidas de uma importante missão no espetáculo: viver as três filhas de Lear, respectivamente Regane, Goneril e Cordélia. A exaustão nos ensaios nada tem a ver com a figura de um diretor estressado, gritando com os atores. "Ron trabalha sem parar, come em 15 minutos, mas é muito sereno para lidar com os atores", garante Lu. "Ele adotou uma linha muito inteligente de direção", diz Lígia. "Contar bem uma história na qual todos os personagens têm suas razões para agirem como agem, o que humaniza a tragédia", completa a atriz. Por outro lado, essa linha exige um profundo mergulho do ator para trazer à tona um ser humano inteiro - com suas razões e contradições - em cada um dos personagens. "As filhas de Lear foram educadas como rainhas, cresceram em grandes palácios e, assim como o ambiente em que vivem, nada é pequeno em seus sentimentos, tudo é exarcerbado", comenta Lígia. "E ao mesmo tempo Ron não quer o elenco impostado, superatuando", afirma Lu. "A responsabilidade é enorme e provoca angústia; eu tenho insônia, não durmo direito, mas estou feliz", observa Bianca. Quando a peça tem início, as filhas de Lear são adultas. Mas não é difícil imaginar sua infância e adolescência, criadas com todos os mimos de princesas, porém sob o poder de um pai de temperamento explosivo e, certamente, ressentido por não ter tido um filho homem, numa época em que o poder era hereditário e não estava destinado às mulheres. "Imagino que pelo menos as duas filhas mais velhas cresceram tentando agradar a esse pai sem jamais obter êxito", diz Lu. Cordélia, talvez por ser a caçula, consegue conquistar o carinho do pai. "Mas mesmo assim só enquanto se comporta de acordo com o esperado", observa Bianca. O inesperado, para Lear, ocorre no início da peça. Decidido a curtir melhor seus últimos anos de vida, o rei reúne a corte para dividir o reino entre as três filhas. Na verdade, quer livrar-se do ônus do poder, mas manter as vantagens. Avisa que continuará com o título de rei e manterá como escolta um exército de cem homens. E dividirá seu reino em três partes, entre as filhas. Para tanto, prepara um ritual no qual cada uma delas deverá declarar seu amor por ele, recebendo um dote proporcional à "intensidade" do amor declarado. "Era só um ritual, tão previsível que ele pergunta a Cordélia o que ela tem a dizer para ganhar a maior e melhor parte do reino", observa Lígia. "É ou não para ter raiva dessa proteção?", brinca Lu. Cordélia, entretanto, resolve não topar o jogo. Ao contrário das irmãs - pródigas em suas juras de amor -, diz que não poderia declarar amor irrestrito ao pai, uma vez que o dividirá com seu futuro marido. Duplamente atingido - em sua autoridade e em seu afeto - o colérico Lear deserda e amaldiçoa a filha, dividindo o reino entre Regane e Goneril, ponto de partida de uma tragédia familiar que acabará por afetar toda a nação. "No Brasil temos alguns exemplos de ressentimentos familiares envolvendo governantes, cujas brigas interferiram na vida dos cidadãos", lembra Lígia. Ressentimentos e disputa de poder, uma história antiga e, infelizmente, sempre nova.

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