Eleições 2000: o que será da Cultura em SP?

As propostas dos cinco principais candidatos são repetitivas, todas dirigidas ao mesmo ponto: "levar a cultura ao povo". Mas o que está embutido nessa palavra "cultura", ninguém explica

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Por Agencia Estado
Atualização:

Apenas o conceito de gratuidade é suficiente para garantir a democratização do acesso à cultura em uma cidade como São Paulo? A pergunta ou a simples menção do assunto passa bem longe dos programas de governo ou dos discursos dos 16 candidatos a prefeito. As propostas dos cinco principais candidatos relativas à Cultura são repetitivas, todas dirigidas ao mesmo ponto: "levar a cultura ao povo", de preferência por intermédio de parcerias. O que está embutido nessa palavra "cultura", ninguém explica. No último debate, Maluf falou em números: em sua gestão os eventos culturais/mês passaram de dois dígitos (40) para quatro dígitos (mais de mil), todos gratuitos, frisou o candidato, sem dizer nada sobre o conteúdo dessa multiplicação quase milagrosa de eventos. Marta Suplicy, com espaço para apresentar sua proposta, falou de uma cultura "de transferência": o centro "transfere" sua cultura para a periferia e esta "transfere" a dela para o primeiro, sem explicar o que essa "cultura delivery" queria dizer. Os demais candidatos silenciaram sobre o tema, talvez, por não terem mesmo o que dizer. Desde meados dos anos 80, o conceito de política cultural ficou misturado com a idéia de "máximo benefício" dado de presente ao povo, via evento cultural. Nessa expressão cabe tudo. Especialmente, seja lá o que for que tenha alcançado qualquer sucesso na chamada mídia eletrônica. Vale tudo: de soprano meio famosa a mágico de circo, passando por todos os ícones musicais do País. De preferência, em shows aos domingos, em um parque (de preferência o Ibirapuera). Grátis! O calibre da "atração" depende, na maioria das vezes, do potencial da parceria, do tamanho do grupo empresarial que a sustentou. Os maiores beneficiados dessas parcerias, com certeza, não são nem os ambulantes que vendem cachorro quente para a multidão e muito menos a desrespeitada platéia, que sob sol e chuva, disputa a gratuita migalha de visão dos "vips da telinha". Em tempo: tudo isso recebe o nome de evento, parte da política cultural de São Paulo. Verba - A dona dessa política cultural é uma secretaria com orçamento definido de R$ 98 milhões, com cerca de 3 mil funcionários, três orquestras, dois corais, um balé e uma lei de incentivo que destina em média outros R$ 50 milhões ao setor. É fato, que outros "eventos" também ocorrem dentro dessa política, como as "oficinas de arte" que reúnem pichadores com experientes artistas plásticos para transformar o pichador em grafiteiro, no rumo do designer profissionalizado. Há outros exemplos de coerente esforço produtivo. O problema é que política cultural implica em definições de rumo, em objetivos racionalizados e não em fábrica de eventos isolados e distribuídos como benesses. Qual é o conteúdo das iniciativas culturais na próxima gestão? Qual dos candidatos está interesssado em apresentá-lo, se ele existir, dispensando os conhecidos lugares comuns? Candidatos interessados em definições de conteúdo para a Cultura poderiam, por exemplo, dizer o que pretendem para o Teatro Municipal. Repetir que aceitam a mudança em fundação é chover no molhado. Provavelmente não há outra saída para a urgente necessidade de modernização do Teatro. O problema é saber que tipo de Fundação será desenvolvida. O Teatro Municipal tem pouco mais de 500 funcionários, incluídos parte dos músicos de duas orquestras sinfônicas, dois corais, um quarteto de cordas e o balé da cidade. O custo da manutenção e dos projetos culturais que envolvem o teatro implicam dotação orçamentária da Secretaria da Cultura de R$ 10 milhões anuais, representando mais de 10% do orçamento da secretaria. O atual projeto de transformação do teatro em fundação não significará mudanças estatutárias para os integrantes dos corpos estáveis, porque a maioria deles já é contratada por CLT. Há duas semanas, na frente da Câmara Municipal, os integrantes dos corpos estáveis fizeram um curioso protesto, com apresentações musicais e de dança. Eles reclamavam do projeto de fundação que já está na Câmara, prevendo a instituição de um Conselho Curador e de uma diretoria executiva que receberiam cerca de R$ 15 milhões para dirigir o teatro. A forma como essa diretoria seria escolhida é só a primeira reclamação de quem trabalha no teatro. A "pressa e a falta de clareza" com que vem sendo conduzido o processo de transformação do Teatro em fundação é a maior preocupação dos integrantes dos corpos estáveis. Os funcionários notaram que o novo prefeito poderá trabalhar com uma direção do teatro escolhida pela atual gestão. Um processo como esse poderá inviabilizar a administração do teatro, pela metade da próxima gestão. O tema da transformação do Teatro Municipal em fundação não mobilizou o discurso de nenhum dos candidatos a prefeito. Escolha de rumos para a cultura começa, por exemplo, por clara definição sobre o que consumirá 15% das verbas anuais da Secretaria da Cultura. No próximo debate, talvez, algum candidato decida tocar no assunto Cultura, mencionando o que fará do Teatro Muncipal. Quanto a democratização da cultura, talvez, também, algum candidato resolva falar sobre conteúdos e iniciativas na área, explicando se "show grátis", com alguém mais ou menos famoso, permanecerá sinônimo de política cultural em São Paulo.

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